Sector agroalimentar: Cadeias de abastecimento em pleno funcionamento

As frutas e legumes portugueses continuam a fazer as “delícias” dos mercados externos, com as exportações a crescerem a um ritmo positivo. E nem mesmo a actual crise pandémica fez o sector agroalimentar parar. Foi com «profissionalismo e resiliência» que este sector conseguiu evitar, no último ano, disrupções e falhas no fornecimento de produtos frescos, como diz Gonçalo Santos Andrade, presidente da Portugal Fresh.
Apesar dos efeitos negativos da Covid-19 na economia, o sector das frutas e legumes continua a dar cartas, com as exportações a manterem o seu ritmo de crescimento. Dos factores responsáveis por esta performance destaque para o aumento do consumo de produtos frescos, bem como um maior reconhecimento e valorização dos produtos portugueses nos principais mercados, como refere Gonçalo Santos Andrade. A associação que representa 82 sócios empresariais e 14 sócios de especialidade, distribuídos de Norte a Sul do país, tem sido responsável pela promoção internacional do sector nos últimos anos.

Logística Moderna – Passado mais de um ano do início da crise de COVID-19, quais foram no entender da Portugal Fresh os principais impactos desta pandemia no sector que representam? E a nível nacional qual tem sido o desempenho do sector. Houve oscilações no consumo de produtos frescos?
Gonçalo Santos Andrade – A pandemia tem sido terrível para todos. O sector das frutas, legumes e flores adaptou-se a este contexto complexo e desafiante. Os custos dispararam devido aos planos de contingência e todos os procedimentos implementados. Os consumidores nunca deixaram de ter acesso a produtos frescos, de elevada qualidade e com garantia de segurança alimentar. Houve oscilações pontuais no consumo, principalmente no início da pandemia, que voltou ao normal passado cerca de seis semanas depois. O sector mais afectado foi o das plantas ornamentais e flores com o fecho abrupto de mercados em pleno pico de produção.

 

Em Portugal, apesar da maioria dos sectores económicos terem registados decréscimos nas suas vendas ao exterior em 2020, a fileira das frutas, legumes, plantas ornamentais e flores viu as suas exportações crescerem 4,4% em valor face ao mesmo período de 2019, atingindo 1.683 milhões de euros. Que análise faz deste crescimento, principalmente num período tão desafiante?
Os consumidores procuram cada vez mais produtos frescos e saudáveis a fim de manterem uma dieta equilibrada e, por isso, a procura aumenta ano após ano. Os investimentos efectuados em promoção internacional nos últimos dez anos revelaram-se cruciais para termos soluções de escoamento e valorização dos nossos produtos em diversos mercados. Os produtos portugueses já são reconhecidos e valorizados nos principais mercados.

 

Com vários lockdown à escala global, qual a leitura que faz do comportamento das cadeias de abastecimento?
A cadeia agroalimentar não parou e demonstrou o seu profissionalismo, dedicação e resiliência. Desde a produção aos consumidores, todos contribuíram para que não se sentissem os efeitos da pandemia neste sector.

 

Quais têm sido os maiores desafios e constrangimentos com que se têm deparado, nomeadamente no que diz respeito aos transportes e a outros condicionalismos logísticos?
A criação de “vias verdes” para a circulação dos produtos agroalimentares permitiu que não houvesse grandes problemas a nível logístico. Devido aos planos de contingência que foi necessário implementar, os custos logísticos e o tempo de viagem aumentaram e houve pontualmente maior dificuldade em termos dos transportes necessários.

 

Que medidas tiveram as empresas produtoras de implementar para garantir o funcionamento das suas cadeias de abastecimento?
Todas as empresas implementaram os seus planos de contingência e dividiram as suas equipas no campo, no escritório e no armazém. O sector demonstrou uma enorme resiliência e soube adaptar-se a este cenário de pandemia.

 

Também o BREXIT tem trazido desafios para as empresas exportadoras. Como é que tem corrido este período de transição?
Desde 2019 que o Reino Unido passou de 3.º para 4.º mercado mais importante. O Brexit afectou algumas exportações pontualmente com processos logísticos mais demorados e burocráticos.

 

Qual dos subsectores representa um maior peso nas exportações?
Em 2020 o sector dos pequenos frutos registou 247 milhões de euros, o tomate de indústria 238 milhões de euros e os citrinos 127 milhões de euros.

 

«É preciso criar novas reservas de águas superficiais»

 

Já em 2021, qual tem sido o comportamento actual das exportações?
Devido a um Inverno mais tradicional, com um mês de Janeiro frio e o mês de Fevereiro com alguma precipitação – que esperemos que se repita muitas vezes nos próximos anos – há um decréscimo de 5% em valor até Abril que acreditamos que poderá ser recuperado até ao final do ano.

 

Portugal face aos países do Norte da Europa tem condições naturais de excelência. Qual o seu potencial de crescimento? O que pode ser feito para apoiar mais o sector?
Sim, é um facto. As condições de produção do nosso país são muito boas, quando comparadas com o centro e norte da Europa, pela latitude mais a sul que temos e devido à nossa proximidade ao Atlântico.
Contudo, para crescer, o sector precisa de uma estratégia para modernização e revitalização dos perímetros de rega existentes, principalmente os que necessitam de melhoramentos urgentes, para maximizarmos o uso eficiente da água. Precisamos também da criação de novas reservas de águas superficiais.
O acesso à água é fundamental não só para a criação de novos negócios de múltiplos fins, mas também para a fixação de pessoas no território, para a renovação geracional e para o combate às alterações climáticas.

 

Este é um dos sectores que é apoiado pela UE, como funcionam esses apoios na prática em Portugal? A forma como são implementados pelos organismos responsáveis são uma vantagem ou desvantagem face ao que acontece com concorrentes como, por exemplo, a França?
Os principais beneficiados dos apoios da Política Agrícola Comum (PAC) são os consumidores que conseguem ter produtos de qualidade e elevada segurança alimentar a preços acessíveis. Em alguns subsectores há grandes desvantagens face às ajudas que os agricultores franceses recebem. No sector das frutas e legumes desde que as empresas estejam organizadas em Organizações de Produtores essas diferenças são mínimas porque as regras dos programas operacionais são muito parecidas. Variam com as estratégias nacionais, mas há diferenças menores.

 

Transporte rodoviário e marítimo continuam a ser os mais usados

 

Quais os principais mercados de exportação?
A UE a 27 recebeu 78% do valor das exportações do sector das frutas, legumes e flores e os países terceiros 22%. O principal mercado é o Espanha com 32,9% do valor das exportações, França com 12,8%, Holanda com 10,4%, Reino Unido com 9,1% e Alemanha com 7,1%. O primeiro país terceiro do ranking é o Brasil que surge em nono lugar com 2,0% do valor das exportações.

 

Nos produtos frescos a rapidez é crítica. No momento actual quais os tempos médios de trânsito para esses mercados?
Para os nossos principais mercados conseguimos chegar entre 5 a 60 horas. No transporte marítimo para países terceiros temos trânsitos de 15 a 45 dias. Como somos um país periférico e com baixo poder de compra é importante que encaremos o mercado europeu como o nosso mercado local.

 

Qual o meio de transporte preferencial nas exportações? O transporte aéreo é uma opção?
Para a Europa o transporte preferencial é o transporte rodoviário refrigerado. Para países terceiros o sector usa preferencialmente o transporte marítimo em contentores refrigerados. O transporte aéreo é uma opção, embora com custos por Kg bastante superiores, mas neste momento é apenas usado para algumas geografias específicas e para produtos com valor acrescentado.

 

Há associados já com unidades de produção noutros países ou infraestruturas de apoio próprias ou em outsourcing?
Sim, já temos vários sócios com processos de internacionalização, quer na área da produção quer na área da comercialização.

 

Digitalização: A importância da rede 5G

 

O frio é uma vantagem competitiva neste sector. Como tem evoluído a capacidade instalada de frio nos últimos anos?
Têm sido efectuados muitos investimentos na capacidade instalada e na qualidade das infraestruturas e dos equipamentos de frio.

 

Os produtos frescos dependem de cadeias de abastecimento com temperatura controlada. Isso implica consumo de energia eléctrica cujos preços, em Portugal, são muito elevados. No passado este sector era discriminado face à indústria, isso ainda acontece?
Somos um dos países da UE com a energia eléctrica mais cara e os nossos principais concorrentes na produção têm energia a preços mais competitivos, o que afecta a nossa competitividade no mercado global. A indústria faz parte da cadeia agroalimentar e também é importante que tenha preços competitivos.

 

No que diz respeito à energia o que é que pode ser feito para tornar o sector mais competitivo?
Há que apostar cada vez mais em energias renováveis, em linha com o que vem a ser promovido pela UE, e tornar o sector mais competitivo e sustentável.

 

Hoje fala-se muito em digitalização. No caso dos vossos associados qual o nível de aplicação de novas tecnologias, como robótica, automatização ou soluções de IoT?
Estamos na década da transição digital. O sector agroalimentar é cada vez mais um sector tecnológico, que pratica uma produção sustentável a nível ambiental tendo em conta a preservação da biodiversidade e é cada vez mais precisa. A utilização de drones no campo, de robots nas centrais e a utilização de dados de satélite começa a ser uma prática corrente.
Precisamos de rede 5G em todo o território para que este processo possa evoluir ainda mais e ser disseminado por todo o território, atraindo jovens para o sector agroalimentar e fixando pessoas nos territórios de baixa densidade. Só assim poderemos ambicionar a desejada renovação geracional.

 

Problemas com mão-de-obra geram impacto negativo

 

Recentemente tem-se falado muito dos problemas de mão-de-obra. Trata-se de um problema geral nas Supply Chains em Portugal e estrangeiro. Como pode ser resolvido?
Devido à escassez de boas condições de habitabilidade em várias geografias do país, no meio urbano, para uma adequada integração de todos os trabalhadores do sector agroalimentar na sociedade tem-se falado em problemas de mão-de-obra. A saúde e o bem-estar dos trabalhadores são uma prioridade neste sector. As pessoas são o nosso maior activo e a grande maioria das empresas tem um enorme foco neste tema. Por outro lado, os principais clientes exigem certificações e auditorias nesta área.
Este tema deve ser resolvido pelos municípios recorrendo à componente 2, do Plano de Recuperação e Resiliência, promovendo a construção de habitações para fazer face à procura existente.
Para os trabalhadores que permanecem até quatro meses no território, sazonais e nos casos em que não exista possibilidade de alojamento no meio urbano, devemos encontrar soluções no meio rural.

 

Estas notícias tiveram impacto no estrangeiro, prejudicaram de alguma forma a imagem do sector?
A imagem de Portugal saiu altamente afectada. Temos que ter muito cuidado na imagem que transmitimos do país a fim de não afectar o trabalho dos últimos 10 anos, período no qual duplicámos o valor das exportações. Não houve o cuidado adequado na transmissão da mensagem correcta e real e durante algumas semanas os nossos produtos foram substituídos por produtos de origem espanhola e marroquina.

 

Quais são as expectativas para 2021?
Passar pela primeira vez os 1.700 milhões de euros de exportação e voltar à promoção internacional em eventos presenciais.
Este artigo foi publicado na edição nº 180 da revista Logística Moderna

 

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