O Porto de Aveiro tem como missão facultar o acesso competitivo de mercadorias aos mercados regionais, nacionais e internacionais, de forma a promover o desenvolvimento económico da região onde se insere, sendo a sua área de influência a Região Centro, em Portugal, e a Região de Castela e Leão e Madrid, em Espanha. A área de jurisdição do Porto de Aveiro totaliza cerca de 1726ha e situa-se entre os territórios dos concelhos de Ílhavo e de Aveiro. Em entrevista à Logística Moderna, Fátima Lopes Alves, presidente do Conselho de Administração do Porto de Aveiro (APA), fala do crescimento deste porto, dos investimentos a realizar e da aposta na digitalização e transição energética.
Logística Moderna – O Porto de Aveiro situa-se numa zona relevante para a economia do país. Seria possível falar um pouco do seu hinterland, das relações existentes entre este, as empresas e a comunidade que serve?
Fátima Lopes Alves – A região Centro é o hinterland natural do Porto de Aveiro, sendo a primeira escolha de muitas das indústrias ali localizadas. É por isso uma importante infraestrutura de apoio à sua internacionalização e crescimento e, nesse sentido, motor de desenvolvimento económico e social da região Centro.
Das indústrias que escolhem o Porto de Aveiro para a realização de actividades logísticas e acesso aos mercados internacionais, destacamos o cluster químico e petroquímico de Estarreja, a indústria metalomecânica, cerâmica, agroalimentar, florestal e de produção de componentes de energia eólica onshore e offshore.
Nos últimos dois anos o Porto de Aveiro alcançou uma maior conetividade para destinos transatlânticos a para a Ásia, resultado da maior capacidade do Porto de Aveiro para receber navios de maior dimensão e do aumento da eficiência da operação portuária.
Sob o ponto de vista do hinterland, salienta-se ainda que, embora a região Centro seja a principal área de influência do porto, como acima mencionado, é notório o reforço da atratividade do Porto de Aveiro junto do mercado de Castela e Leão e Madrid face às suas valências, traduzida na localização de investimento privado no porto e da realização de serviços ferroviários para aquelas regiões. Destaca-se os anos de 2018 e 2019, em que a quota modal registada pelo Porto de Aveiro para as referidas regiões espanholas foi, respectivamente, de 20% e 18% relativamente ao número total de serviços realizados.
O crescimento e desenvolvimento do Porto de Aveiro traduz a dinâmica do tecido industrial da Região Centro e do país, e por isso procura intensificar a sua oferta de soluções logísticas mais sustentáveis e competitivas para todo o corredor que liga Aveiro a Espanha. E é nesse contexto que temos vindo a reforçar a consolidação das relações de cooperação com todos os actores da nossa comunidade portuária e logística, incluindo a indústria, operadores portuários e logísticos, transitários, armadores, operadores ferroviários e academia.
Qual a análise que faz do sector e do transporte marítimo? Quais têm sido os maiores desafios nos últimos meses?
O ecossistema portuário nacional encerrou o primeiro trimestre de 2021 com uma quebra global de -1,9% relativamente a período homólogo, justificado pelo decréscimo da importação de petróleo bruto nos Portos de Sines e Leixões. Não fosse o recuo do movimento de petróleo bruto, o sector teria tido um comportamento positivo, dada a recuperação do segmento de carga contentorizada, com o registo de um aumento de +10% relativamente a período homólogo de 2020.
O Porto de Aveiro tem demostrado forte resiliência à actual situação de incerteza vivida pelos mercados nacional e internacional, tendo, em contraciclo com o sector portuário nacional, registado um crescimento de + 4% na tonelagem movimentada face a período homólogo.
No período de janeiro a maio deste ano o porto movimentou 2,3 Milhões de toneladas, mais 4,72% face ao anterior máximo registado, para o mesmo período (2019), constituindo-se como um novo recorde histórico para o porto.
Os principais desafios do Porto de Aveiro são a procura do aumento da sua competitividade, e que se consubstanciam, sobretudo, na realização de investimentos destinados à melhoria das condições de navegabilidade do porto, para o seu funcionamento sem restrições 24h/365 dias, ao aumento da eficiência da sua ligação ferroviária com o hinterland, e à sua capacitação para a redução progressiva das emissões GEE das actividades portuárias e digitalização dos processos logísticos do porto, rumo à transformação do porto num “Green & Smart port”.
Ligações rodo-ferroviárias
são valências diferenciadoras
Os portos têm no seu hinterland e no tipo de carga que movimentam, factores de competição e nesse sentido existem zonas de fronteira onde há sempre alguma concorrência. De que forma é que é vista a relação com os outros Portos?
O Porto de Aveiro pelas suas especificidades, em particular a oferta de serviços logísticos completos e de vastas áreas de terrenos para a instalação de unidades logísticas e industriais na zona portuária, possui oferta diferenciadora dos restantes portos nacionais.
Quais são as mais-valias ou particularidades do Porto de Aveiro? O que é que vos distingue dos demais?
As principais valências diferenciadoras do Porto de Aveiro, reconhecidas pelo tecido industrial da Região Centro, são as suas ligações rodo-ferroviárias (totalmente descongestionadas) aos principais corredores de mercadorias nacional e europeu e a significativa capacidade de oferta de espaço, que lhe permite ser hub logístico e industrial. São muitos os investimentos privados realizados em unidades logísticas e de apoio industrial que contribuem para o desenvolvimento da região Centro, totalizando um investimento privado de cerca de 50 milhões de euros nos últimos três anos.
Para reforçar a oferta do porto enquanto plataforma logística e industrial multimodal, importa salientar a execução de investimento pela Administração do Porto de Aveiro da Zona de Actividades logísticas e indústrias (ZALI), tendo a construção da 2ª fase das suas infraestruturas sido iniciada no mês de junho. O investimento total ascende a 14,7 milhões de euros e é financiado em 42,7% pelo COMPETE 2020.
Trata-se de uma área privilegiada para acolhimento de indústrias e unidades logísticas, na medida em que para além das redes de serviços, é servida por uma frente marítima com 1 Km de extensão que possibilita às empresas que ali se instalarem utilizar um cais de uso privativo. A ZALI compreende uma área útil total de 73 hectares, integrando parcelas que variam entre 5.400 m2 e 76.830 m2. Na presente data encontra-se já ocupada uma parcela com uma área de 7,2 hectares por unidade de produção de componentes de energia eólica onshore e offshore.
Porto de Aveiro cresce
em toneladas movimentadas
A nível operacional como está a produtividade do Porto de Aveiro?
A produtividade do Porto de Aveiro tem vindo a crescer, o que se traduz no volume de carga movimentado no porto, que têm vindo a crescer não só comparativamente a 2020 (que foi um ano atípico face ao contexto pandémico que ainda se atravessa) como em relação a 2019.
Qual o movimento de mercadorias no Porto de Aveiro? Tem uma ideia do rácio entre Exportações/Importações?
O Porto de Aveiro tem demonstrado forte resiliência à crise sanitária e económica enfrentada pelo país e pelo mundo. O movimento do Porto de Aveiro registado nos primeiros cinco meses de 2021 foi de 2,3 Milhões de toneladas, mais 4,72% face ao anterior máximo registado, para o mesmo período (2019), constituindo-se como uma nova marca histórica para esta infraestrutura portuária. Em comparação com o ano 2020 destaca-se, até Maio de 2021, um crescimento de 9,54% nas toneladas movimentadas. Este crescimento registou-se em todas as tipologias de carga, com destaque para a carga geral fraccionada, com um aumento de 15% (780.220 toneladas), e para o segmento de granéis líquidos, com um aumento de 14,3%, com uma movimentação de 594.580 toneladas.
Recentemente, os principais resultados alcançados pelo Porto de Aveiro são o aumento da dimensão dos navios, que lhe tem permitido uma maior diversificação do foreland, e o aumento da eficiência e qualidade dos serviços prestados, que se tem traduzido no reforço da quota de mercado do porto nos seus segmentos de carga tradicionais e bem assim na sua capacitação para a captação de novas cargas. Referimo-nos às cargas de projecto, em particular às componentes de energia eólica onshore e offshore, segmento em que o Porto de Aveiro já é referência nacional.
Devemos mencionar que hoje o Porto de Aveiro é também um porto transatlântico, oferecendo serviços marítimos com ligação à América do Norte e América do Sul (em particular com o Brasil).
O Porto de Aveiro sempre se caracterizou como um porto de importação de mercadorias, pelo que o rácio de importação/ exportação em final de maio de 2021 era de 72% versus 28%, respectivamente.
Transição energética
e digitalização
A transição energética e a digitalização são pontos fulcrais na estratégia do porto. O que é que tem sido feito quanto a estas matérias?
No âmbito da transição energética e digitalização, o Porto de Aveiro aprovou recentemente a sua Estratégia para a Transição Energética, empenhando-se, assim, activamente em contribuir para a necessidade urgente de reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE) no transporte marítimo, compromisso traçado pelo Pacto Ecológico Europeu em Dezembro de 2019.
A Estratégia aprovada elenca as linhas estratégicas de acção, que abrangem toda a comunidade portuária de Aveiro, pois só assim será possível a efectiva transformação “verde” de toda a cadeia do transporte marítimo.
Constituindo-se como um roteiro integrado, o documento detalha o plano de acção a implementar nas áreas identificadas, tais como a produção de energias renováveis e respectivos serviços de fornecimento de energia eléctrica, disponibilização de biocombustíveis avançados, promoção da eficiência energética em edifícios, serviços e actividades portuárias, digitalização, entre outras.
Procurando iniciar desde já a mudança de paradigma no sector portuário, o Porto de Aveiro liderou um consórcio de 42 parceiros numa candidatura aos Green Ports da União Europeia. Integram ainda o consórcio o Porto de Tyne (Reino Unido), o Porto de Tulcea (Roménia) e o Porto de Sandnes (Noruega), sendo que cada porto está organizado em grupos de parceiros locais que actuam e cobrem as suas cadeias de valor e abastecimento.
O cluster do Porto de Aveiro é constituído por 15 parceiros, tais como a EFACEC, a PRIO, a MARLO, a Universidade de Aveiro, a EDP, a Bondalti, a Câmara Municipal de Aveiro, INOVA+, a ASM Industries, bem como utilizadores finais, com destaque para a Associação das Empresas de Estiva do Porto de Aveiro, a TINITA (reboques), Seacarrier e Portline (navios). De notar ainda o apoio adicional de 34 stakeholders locais e nacionais.
Esta candidatura ainda que não aprovada, ficou muito próxima disso, e por isso constitui desde já o roda map que dará continuidade ao trabalho desenvolvido na senda da transição energética até 2030.
Que análise faz da implementação da JUL, que pretendia abarcar toda a cadeia logística, fazendo a interligação entre meios de transporte terrestres, portos secos, plataformas logísticas, bem como promover a excelência na performance dos serviços portuários?
A Janela Única Logística (Projecto Nacional) já se encontra em pleno funcionamento no Porto de Aveiro e na Figueira da Foz (primeiro porto no continente onde esta solução foi implementada) desde o início de 2020, encontrando-se, à data, em desenvolvimento novas valências destinadas a uma maior atratividade do porto nas cadeias logísticas, considerando-se que tem vindo a responder aos desafios que foram colocados a estes portos com a implementação desta solução digital.
Descarbonização das actividades
é aposta assente
Quais os investimentos prioritários para os próximos anos?
Os principais investimentos estratégicos previstos realizar no Porto de Aveiro, e incluídos no Plano Nacional de Infraestruturas 2030, são a construção de terminal intermodal na Zona de Actividades Logísticas e Industriais, a melhoria das condições de navegabilidade do porto e a realização de investimentos/acções destinados a promover a sua Transição Energética e Digital.
Com a conclusão dos investimentos de melhoria da oferta física mencionados, é esperado o reforço da conectividade marítima do Porto de Aveiro, porquanto o capacitará para um incremento da fiabilidade do serviço prestado aos navios através da redução das restrições ao seu acesso marítimo, e da melhoria da qualidade dos serviços ferroviários prestados, decorrente da possibilidade de serem operadas composições ferroviárias até 750 metros.
A outra aposta estratégica reside em desenvolver e implementar, conjuntamente com a Comunidade Portuária, o conceito de “Green and Smart Port”. Para este efeito, e de acordo com estratégia já aprovada pela APA, S.A., foram definidas como principais medidas a descarbonização das actividades realizadas no porto e da cadeia logística de transporte, assente na produção, distribuição e armazenamento de fontes de energia “limpas”, no abastecimento de combustíveis de baixas emissões de GEE aos navios que demandem o porto e o aumento da eficiência das actividades e serviços prestados assente na utilização de tecnologia, destacando-se a implementação de portaria virtual de controlo de acessos de mercadorias e veículos e o desenvolvimento da Janela Única Logística (Projecto Nacional) com novas valências destinadas a uma maior atratividade do porto nas cadeias logísticas.
Qual o número de empresas instaladas no Porto e possibilidades de crescimento?
Actualmente o Porto de Aveiro tem um número considerável de empresas / unidades industriais já instaladas na área do porto, algumas das quais ainda se encontram a realizar investimentos em novas instalações/ ampliações, pelo que estes investimentos que, ainda estão a decorrer, ainda não atingiram a sua velocidade de cruzeiro.
Como referido anteriormente, são muitos os investimentos privados realizados em unidades logísticas e de apoio industrial, que nos últimos 3 anos totalizaram cerca de 50 milhões de euros.
Dada a disponibilidade de espaços existente na área de porto, nomeadamente na ZALI, é expectável que o investimento privado a médio e longo prazo venha a crescer consideravelmente, com o consequente aumento do volume de negócios do Porto de Aveiro.
Porto Seco da Guarda
é oportunidade de crescimento
As acessibilidades e as infraestruturas são vitais para o bom funcionamento do porto e para o desenvolvimento da sua actividade, como é que as qualifica e se podem ser melhoradas?
Como referido anteriormente o Porto de Aveiro está dotado de excelentes acessos rodoferroviários, havendo ligação ferroviária directa a todos os terminais portuário. O Porto de Aveiro encontra-se à data a rever o projecto para a construção de Terminal Intermodal em zona contígua à ZALI de forma a permitir receber comboios com 750m de comprimento e, desse modo, promover um aumento da sua presença nas regiões espanholas de Castela e Leão e de Madrid.
Recentemente foi inaugurado o Porto Seco da Guarda? Qual a sua importância para a estratégia do Porto de Aveiro?
O Porto Seco da Guarda poderá vir a ser uma importante infraestrutura de concentração de cargas, constituindo uma oportunidade de crescimento para o Porto de Aveiro, e que se justifica pelo facto do porto possuir ligação ferroviária competitiva àquela região mas também porque existe a expectativa do mesmo vir a reforçar a sua conectividade com os mercados internacionais a curto/médio prazo.
Artigo publicado na edição impressa nº180 da revista Logística Moderna