Numa aula recente, discutia com os alunos a importância de o líder de uma equipa manter um diálogo contínuo com os seus colaboradores, com frequentes momentos de feedback informal para assegurar o seu comprometimento, orientar e otimizar o seu desempenho e promover o seu desenvolvimento, em contraste com o tradicional e obsolescente processo de “avaliação do desempenho” baseado em sessões formais, realizadas apenas uma ou duas vezes por ano e orientadas para desempenhos passados.
“Só vejo um problema:”, comentou uma aluna, “como é que conseguimos fazer com que os líderes de equipa abandonem o processo tradicional e adotem esta nova abordagem?”. “Isso só vai acontecer quando os líderes desses líderes adotarem o novo processo e tiverem também um diálogo contínuo com estes – e assim por diante pela hierarquia acima!”, sugeriu certeiramente um colega. “Pois!”, acrescentou outro, “é preciso liderar pelo exemplo!”
“Sem dúvida que a adoção da mesma abordagem por toda a ‘cadeia de comando’ é uma condição indispensável para que este ‘diálogo contínuo’ se implante”, confirmei, “e também concordo que neste caso se trata de dar o exemplo. Mas vocês podem garantir que ‘liderar pelo exemplo’ é sempre a melhor solução? Em que circunstâncias pode não ser?”
Na verdade, esta ideia de que o “bom líder é aquele que dá o exemplo” é frequentemente falaciosa e pode ser mesmo perniciosa. A razão é simples: para ser eficaz, a liderança tem de traduzir-se em atividades diferentes das que são executadas pelos seus colaboradores, assentes em competências distintas das que estes devem possuir e desenvolver. Por outras palavras, a liderança do chefe de uma equipa de vendas não está na atividade de vender, nem a do chefe de uma brigada de cozinha na atividade de cozinhar. Não quero dizer com isto que o primeiro não tenha de vender e o segundo não tenha de cozinhar, mas a essência da sua responsabilidade de líderes não está aí. Está em planear, comunicar, explicar, motivar, apoiar, avaliar, ajustar, etc. É isto que mais ninguém nas suas equipas pode fazer por eles.
Dir-me-ão que ser um bom vendedor ou um exímio cozinheiro ajuda um e outro a impôr-se como líder. Sim e não. Mas para compreender porquê, vamos por partes.
Há muito que existe um consenso generalizado de que a liderança é situacional e contingente – ou seja, que a sua eficácia depende do ajustamento dos comportamentos do líder às circunstâncias (“situações”) com que lida, e que não existe nenhum padrão específico de comportamentos (“estilo de liderança”) eficaz qualquer que seja a situação. Assim, perante colaboradores inexperientes ou pouco competentes o líder tem de ser mais diretivo e mostrar como se faz; ou ser mais participativo e dialogante com colaboradores que precisam de um incentivo para completar com êxito as suas tarefas; ou ainda mais distante e reativo com aqueles que já são autónomos e dispensam supervisão de proximidade. Sobretudo, deve desenvolver os seus colaboradores para que cheguem a este grau de autonomia. Nesse sentido, o líder mais eficaz é aquele que já pode liderar a partir da retaguarda, porque tornou os seus colaboradores suficientemente eficazes para não precisarem dele na “linha da frente”.
(A inadequação de um estilo de liderança “heróico”, de quem vai “à frente das tropas” a dar o exemplo quando a situação exigiria outro comportamento, ficou recentemente demonstrada no contexto da invasão da Ucrânia, em que um número excessivo de generais e outros oficiais superiores russos foram mortos em combate. Isso terá acontecido porque a impreparação dos seus subordinados os obrigou a estar demasiado próximo da frente de combate para os supervisionar de perto quando em circunstâncias ideais deviam estar na retaguarda, não para se protegerem mas para terem uma visão abrangente e integrada das operações.)
Assim, é correto considerar que, ao lidar inicialmente com uma equipa de vendas inexperiente, o chefe de vendas impõe-se mais facilmente como líder se for um excelente vendedor, pois a sua tarefa inicial será ensinar os colaboradores – e gozar da admiração destes ajuda. Mas o seu objetivo deve ser torná-los vendedores tão bons ou melhores que ele, e para isso vai ter de recorrer a outras competências. Pelo contrário, o chefe de vendas que crê que o seu ascendente continua assente em ser o melhor vendedor da equipa condena esta à estagnação, pois ensinar alguém a ser tão bom como ele é uma ameaça à sua posição de líder. É por isso que tantos “excelentes vendedores”, promovidos apenas devido a esse atributo, vêm a ser chefes de vendas medíocres.
Mas mesmo esta única vantagem inicial da proficiência na atividade exercida pelos colaboradores desaparece quando pensamos nas transformações em curso na natureza do trabalho, cuja complexidade crescente exige a constituição de equipas multidisciplinares. Nestas, tipicamente, o líder da equipa é menos competente que qualquer dos colaboradores nas especialidades destes: “percebe menos” de sistemas, de marketing, de serviço ao cliente ou de aprovisionamento que os respetivos especialistas. É totalmente incapaz de “dar o exemplo” em qualquer destas áreas, no sentido anteriormente atribuído à expressão. As suas competências são outras: inteligência crítica, orientação para resultados, comunicação, capacidade de decisão, etc. É no exercício destas que ele tem de “dar o exemplo”. Não em conhecimentos técnicos – “perceber” de vendas, de cozinha, de estatística ou de finanças – mas naquilo em que tem de ser verdadeiramente exímio: “perceber de pessoas”.
João Paulo Feijoo
Consultor, docente e investigador