Foi há poucas semanas apresentado o chamado Relatório Draghi, o documento elaborado pelo ex-primeiro-ministro italiano, a pedido da Comissão Europeia, e que se foca na construção de uma estratégia para a competitividade na Europa.
Um documento cru, que demonstra que a competitividade no nosso continente tem vindo a perder espaço perante outros grandes blocos económicos e que o modelo social europeu apenas pode ser suportado se apoiado numa dinâmica de produtividade e de construção de riqueza que possa sustentar as exigências de uma sociedade cada vez mais activa e actuante, mais inclusiva e sustentável e, obviamente, mais ‘cara’.
E que demonstra também que os responsáveis políticos foram avaliando este arrefecimento da competitividade muito mais como um inconveniente e não tanto como um verdadeiro perigo para o modelo europeu, sendo que as diferentes estratégias tentadas para redinamizar o crescimento económico, foram efémeras e, quase sempre, inconsequentes, deixando a tendência de baixo crescimento inalterada.
Mário Draghi insiste que a era do rápido crescimento do comércio mundial parece ter terminado, com empresas da UE a enfrentarem maior concorrência do estrangeiro, mais limitações impostas pelo contexto geopolítico, mais inibições de acesso aos mercados exteriores, em face da multiplicação de políticas protecionistas. E que, simultaneamente, a necessidade de crescimento da Europa está a aumentar, com a inversão das dinâmicas demográficas e com uma força de trabalho que, em 2040, deverá diminuir em cerca de 2 milhões de trabalhadores por ano.
Para atacar o que designa como um Desafio Existencial, o antigo primeiro-ministro italiano elenca três acções essenciais para redinamizar o crescimento económico sustentável da União Europeia, lembrando que em nenhum desses dossiers se está a começar do zero e que há forças transversais – educação, sistemas de saúde fortes, bem-estar social robusto – sobre as quais é, apesar de tudo, possível construir, com celeridade e potencial de sucesso.
Desde logo, uma profunda reorientação da estratégia da UE para recuperação do diferencial de inovação face aos EUA e à China, especialmente em tecnologias críticas, considerando que a Europa está presa a uma estrutura industrial demasiado estática, com poucas novas empresas a desafiar as indústrias e os sectores existentes ou a desenvolver novas fontes de crescimento e acrescenta que o problema europeu não estará ao nível da criatividade ou ambição, mas, muito especialmente, na incapacidade de converter inovação em comercialização e na dificuldade de escalar as suas operações na Europa, muitas vezes penalizadas por regulamentações inconsistentes, excessivas e restritivas.
De seguida, aponta a necessidade de um plano conjunto para a descarbonização e competitividade, onde os resultados apenas poderão ser alcançados através de uma coordenação de políticas e de um inequívoco esforço para que a descarbonização não corra em sentido contrário ao da competitividade e do crescimento. E lembra que o impulso de descarbonização global é também uma oportunidade de crescimento para a indústria da UE, mas não existe uma garantia de que a Europa consiga aproveitar esta oportunidade. A descarbonização deve ser um benefício claro para o planeta, mas não se pode deixar de insistir para que ela se torne, igualmente, uma fonte de crescimento para a economia europeia.
Finalmente, aponta a imperiosa necessidade de aumentar a segurança e reduzir as dependências da economia europeia. A segurança é, sem dúvida, uma pré-condição para o crescimento sustentável e o aumento dos riscos geopolíticos tende a incrementar a incerteza e as necessidades de investimento para amortecer disrupções súbitas a nível de aprovisionamento, logística e pressões especulativas no mercado, lembrando que a Europa está particularmente exposta, face à elevadíssima dependência de um pequeno conjunto de fornecedores para matérias-primas críticas, em especial da China.
Neste contexto, insiste que a UE necessita de coordenar acordos comerciais preferenciais e de investimento directo com nações ricas em recursos, de construir stocks em áreas críticas selecionadas, de desenvolver parcerias industriais para garantir a cadeia de abastecimento de tecnologias essenciais e, em conjunto, de alavancar o mercado.
A Soberania Económica da Europa, depende, em larguíssima medida, da robustez e eficiência da sua cadeia de aprovisionamento, a qual influência, inequivocamente, a capacidade da União Europeia e dos seus Estados-Membros manterem a sua autonomia, segurança e competitividade numa economia global que se move em solavancos.
A importância da supply chain para a construção da Soberania Económica da Europa pode ser focada em vários ângulos, a começar pelo da óbvia redução do grau de dependência externa, sendo que fenómenos recentes como o Covid ou o conflito no Leste Europeu, colocaram a nu as vulnerabilidades da Europa em sectores estratégicos, como a energia, os semicondutores, a saúde ou a tecnologia e a dependência excessiva de fornecedores externos, especialmente de países como China e Estados Unidos.
Essa dependência limitou a capacidade da UE de reagir rapidamente a crises e uma maior autossuficiência na garantia de acesso sem interrupções a produtos e matérias-primas essenciais, como alimentos de primeira necessidade, componentes electrónicos, energia e medicamentos, bem como a diversificação de produções locais ou regionais, permitiria uma maior capacidade de enfrentar crises geopolíticas ou choques económicos.
Obviamente, uma supply chain mais robusta e integrada é um indutor do reforço de uma base industrial europeia e de proximidade, que pode ajudar a promover a inovação, a geração de postos de trabalho e a adopção de novas tecnologias, ajudando à construção de uma autonomia estratégica, à garantia de um melhor controlo sobre sectores-chave e à minimização de dependências externas críticas.
Uma supply chain mais eficiente pemitirá que as cadeias de produção sejam ecologicamente mais sustentáveis e mais transparentes, que respeitem, sem tibiezas, os direitos humanos, que proporcionem garantias a nível de segurança alimentar e que sigam normas éticas, alinhando-se com os valores societários europeus.
A supply chain será, sem dúvida, um alicerce essencial para reduzir a dependência no abastecimento e aumentar a garantia de uma efectiva soberania económica da Europa. Garantir a resiliência e a sustentabilidade das cadeias de aprovisionamento ajudará a promover a competitividade industrial, a garantir a segurança dos consumidores e a fortalecer a posição da União Europeia no contexto global.
Ao lutar pelo reforço da respectiva autonomia ao nível das cadeias produtivas, a Europa estará a construir um futuro económico mais robusto e mais resiliente, alinhado com os seus valores de sustentabilidade, de inovação e de segurança.