Leixões é o principal porto exportador do país em carga contentorizada e, globalmente, contribui para 7% do emprego em Portugal e 6% do PIB nacional. Desempenha um importante papel para a indústria do seu hinterland, nomeadamente, na importação de matéria-prima e na exportação de produto acabado. Em entrevista à Logística Moderna, Nuno Araújo, Presidente da APDL (Administração dos Portos Douro, Leixões e Viana), falou da estratégia do Porto de Leixões e dos investimentos de modernização em curso, através dos quais se pretende a valorização dos segmentos de operação, no que diz respeito à carga contentorizada, carga geral e ao serviço ro-ro, assim como da carga movimentada.
Logística Moderna – O Porto de Leixões situa-se numa zona muito importante para a economia do país. Seria possível falar um pouco do hinterland do Porto de Leixões, das relações existentes entre este, as empresas e a comunidade que serve?
Nuno Araújo – O Porto de Leixões é a mais importante infraestrutura portuária do país, na relação directa com as empresas e a indústria. Abrange um hinterland correspondente a mais de 14 milhões de habitantes, com incidência sobre todo o país, principalmente na região norte, e estendendo-se ao território espanhol. A sua ligação a mais de 184 países é um factor fundamental na cooperação estratégica que estabelece com o tecido empresarial e industrial, promovendo a internacionalização destas unidades.
Num contexto de crise pandémica, o Porto de Leixões atingiu um novo máximo histórico no ano passado de 703 919 TEUS (unidade de medida equivalente a um contentor de 20 pés), crescendo 2,6% face a 2019, o que sugere não só uma resiliência das empresas importadoras e exportadoras que operam na sua área de influência, mas também a capacidade do ecossistema portuário em se adaptar rapidamente a alterações das condições do mercado.
Nos próximos anos, Leixões continuará a potenciar uma estratégia de qualificação dos seus equipamentos e estruturas, através de um ambicioso plano de investimentos a que nos propomos. Estamos, neste momento, a dar passos concretos para a viabilização de intervenções cruciais para o futuro da região e do país, nomeadamente o Novo Terminal, o prolongamento do quebra-mar e aprofundamento do canal de entrada, anteporto e bacia de rotação, que aumentarão significativamente a capacidade do porto na movimentação de mercadorias e a segurança de navegabilidade.
A obra de prolongamento do quebra-mar é absolutamente decisiva para o futuro da região Norte e do Porto de Leixões. Esta intervenção, que já mereceu um longo período de mais de dez anos de reflexão e uma ampla discussão pública participativa envolvendo os municípios, todas as entidades directa e indirectamente ligadas ao projecto e a comunidade, não só é fundamental para que o Porto de Leixões continue a desempenhar a sua função natural, adaptando-se ao crescimento do mercado de navios e às principais rotas mundiais, como permitirá solucionar a dificuldade que se arrasta há vários anos e que impede o porto de responder às solicitações actuais. Com esta obra, vamos devolver as condições de segurança para a entrada de navios no porto, possibilitando a recepção de cerca de 70% da frota mundial. No caso em concreto da carga movimentada em contentores, perspectiva-se, após as referidas empreitadas, que possa evoluir da actual capacidade de 850 mil TEU para, previsivelmente, ultrapassar 1,2 milhões de TEU.
Exportações atingiram um novo máximo
Qual o momento do transporte de mercadorias no Porto de Leixões? Qual foi o impacto da pandemia na actividade do Porto de Leixões e quais as perspectivas que têm para o futuro imediato?
O Porto de Leixões totalizou cerca de 17,1 milhões de toneladas em 2020, registando uma quebra de 12,7%. Pese embora esta descida, no segmento Roll-on/Roll-off, Leixões continua a ser o principal porto nacional com um novo máximo de 1,34 milhões de toneladas (+1,1%). Na carga contentorizada também se atingiu um novo máximo, ultrapassando pela primeira vez 7 milhões de toneladas movimentadas (+2,8%), o que correspondeu a um novo record na movimentação de contentores, num total de 703 919 TEUS (+2,6%). A quebra no movimento global fica a dever-se essencialmente ao impacto dos granéis. No caso dos granéis líquidos, caiu 2,2 milhões de toneladas (-28%), decorrente da suspensão da actividade da refinaria de Matosinhos.
As exportações atingiram um novo máximo de cerca de 5,4 milhões de toneladas em 2020, enquanto que as importações somam 7,8 milhões de toneladas.
O maior impacto da pandemia registou-se no sector de turismo de cruzeiros que paralisou totalmente em março de 2020, recomeçando apenas em Setembro deste ano.
A expetactiva é de um progressivo regresso aos valores anteriores nas actividades que foram mais afetadas, perspectivando-se ainda, em determinados sectores, o crescimento dos seus indicadores, não se deixando de sublinhar a forma como o porto reagiu a este cenário de paralisação, não só aguentando a pressão existente, como tendo crescido a vários níveis.
O Transhipment é estratégico para o Porto de Leixões?
O nosso foco está em sectores decisivos para a economia nacional, do ponto de vista do desenvolvimento do tecido empresarial e industrial, continuando a promover soluções logísticas para o seu crescimento e a privilegiar a relação direta com as empresas da região e do país. Dada a vocação e características do porto, o transhipment não é a principal prioridade estratégia nos investimentos a desenvolver, mas não implica que não possamos estar atentos a oportunidades pontuais, no futuro, para o promover.
Sector caracterizado
pelo elevado nível dos fretes
Que análise é que faz, actualmente, do sector e do Transporte Marítimo?
O tema incontornável neste momento é o elevado nível dos fretes, que atingiram valores nunca antes vistos, podendo mesmo resultar em mudanças significativas dos actuais modelos existentes das cadeias de abastecimento. Este patamar que, actualmente, se torna incomportável e exagerado, contrasta com o paradigma que vigorou durante mais de uma década, com os fretes a serem exageradamente baixos e a resultarem em dificuldades para as empresas que os ofereciam. Pese embora este facto, os desequilíbrios temporários entre oferta e procura são expectáveis neste sector dada a relativa rigidez da oferta associada à construção de navios, no entanto, acreditamos que a sustentabilidade económica dos vários stakeholders é fundamental para a estabilidade global deste sector chave para a economia mundial. Acreditamos que o actual momento de elevados lucros por parte de armadores poderá ser um importante catalisador para a mudança fundamental do ponto de vista de sustentabilidade ambiental no transporte marítimo, avançando com os necessários investimentos na frota mundial de navios, tendo em vista a redução global de emissões. Por outro lado, a resiliência que temos revelado, em particular nos portos sob gestão da APDL, garantirá a confiança necessária para que as empresas da região possam encarar o futuro com mais optimismo. Os investimentos em curso a nível das infraestruturas, vocacionados para o core do negócio, bem como a aposta na diversificação do negócio, com incidência na energia, na ferrovia e na digitalização, são instrumentos fundamentais para a retoma do sector e para o estímulo do crescimento das infraestruturas portuárias, que resultará no reforço da competitividade do tecido empresarial e industrial.
A nível operacional como está a produtividade do Porto? Como estão as relações laborais, principalmente ao nível da estiva?
O Porto de Leixões, tal como comprovam os indicadores já referidos, apresenta índices operacionais de grande eficiência, tendo vindo a promover um esforço, nos últimos anos, de modernização e capacitação das suas infraestruturas e equipamentos, bem como da criação de novas valências de natureza sustentável e vanguardista, com reflexos positivos nos resultados operacionais da actividade portuária e, por consequência, dos seus clientes. Simultaneamente e fruto da relação de confiança com todos os stakeholders do porto, Leixões mantem um clima de perfeita paz laboral há anos. Como é conhecido, greves noutros portos têm criado grandes constrangimentos e afectado a sua imagem. No entanto, neste porto não houve qualquer greve e, inclusive, Leixões tem desempenhado um importante papel de cooperação e de alternativa nestes períodos de paralisação de outros portos, o que se revela decisivo para a economia nacional.
APDL com forte aposta na ferrovia
As acessibilidades ao Porto de Leixões e as infraestruturas são vitais para o bom funcionamento do Porto e para o desenvolvimento da sua actividade, como é que as qualifica e se podem ser melhoradas?
A Plataforma Logística do Porto de Leixões tem uma superfície total de cerca de 60 hectares, distribuídos por dois polos, numa localização com uma oferta intermodal atractiva e de espaços adaptados às necessidades de cada empresa. Neste momento, verifica-se um interesse crescente das empresas nacionais e internacionais, face às vantagens competitivas que esta infraestrutura apresenta, nomeadamente as condições logísticas oferecidas, a proximidade à área portuária e os bons acessos, quer de interacção com as principais vias expressas, quer mesmo de ligação ao porto. A trajectória crescente de procura e ocupação gradual desta área por empresas com grande expressão em diferentes segmentos, de acordo com as metas definidas, vem confirmar o sucesso dos objectivos inerentes à sua implementação, bem como as expectativas de crescimento.
Relativamente às acessibilidades ao porto, Leixões tem vindo a assumir um conjunto de investimentos que pretende reforçar a intermodalidade do transporte, promovendo para isso a melhoria dos acessos marítimos, ferroviários e rodoviários. Para além da via de acesso exclusivo ao porto, uma verdadeira e única infraestrutura tecnológica, estão a iniciar os trabalhos de dragagem e de prolongamento do quebra-mar e está a fazer-se ainda uma aposta clara na ferrovia, que pretendemos que duplique a sua expressão e atinja 20% da mercadoria movimentada a curto prazo, o que suportará a criação de condições para a implementação dos portos secos, como é exemplo o projecto da Guarda, que aproximará Leixões do seu hinterland e optimizará o armazenamento e transporte de carga. No passado, a ferrovia representava apenas 5% do transporte de carga no Porto de Leixões, tendo recentemente aumentado para 10%. Estão também em fase avançada de negociação com a IP os projectos para a gestão pela APDL de terminais ferroviários, com destaque para o Terminal Intermodal Ferroviário de Leixões, que será uma alavanca fundamental para potenciar o incremento ambicionado no recurso à ferrovia neste porto.
O Porto Seco da Guarda pode ser importante para estender o hinterland do Porto de Leixões para Espanha? As ligações ferroviárias entre o Porto de Leixões e o Porto Seco da Guarda são as adequadas? E as ligações entre este e Espanha? Qual o aumento de volume de negócios, que esperam este possa trazer ao Porto de Leixões?
A APDL tem vindo a desenvolver esforços na criação de valor junto dos principais circuitos de movimentação de mercadorias, aumentando as soluções logísticas e a intermodalidade do seu transporte. Para além destas mais-valias, com a intenção de aposta no aumento da quota ferroviária relativa à movimentação de mercadorias nos portos, implicaremos directamente na sustentabilidade ambiental, através das externalidades positivas que esta acção proporcionará. Este objectivo tem sido perseguido através da aposta na ferrovia, que pretendemos que duplique a sua expressão e atinja 20% da mercadoria movimentada neste porto a curto prazo, de acordo com os pressupostos anteriormente mencionados, e da criação de condições para a implementação dos portos secos, como é exemplo do Porto Seco da Guarda, que representará uma oferta logística muito interessante para as empresas do interior do país, potenciando, entre outras, a redução de custos da cadeia logística e a entrada em novos mercados, nomeadamente o espanhol, através da aposta na intermodalidade do transporte como passo crucial para a sua eficácia.
As evidentes mais valias destas opções, inclusive a nível ambiental, conduzirão ao reforço do posicionamento do Porto de Leixões junto da comunidade, que tanto nos caracteriza, em particular com os municípios que acolhem as nossas instalações, e que continuaremos a privilegiar.
Com os investimentos de modernização já em curso no porto, perspectivamos a valorização dos segmentos de operação, no que se refere à carga contentorizada, carga geral e ao serviço ro-ro, que apresentam números anuais em crescendo. No caso em concreto da carga movimentada em contentores, perspectiva-se, após as referidas empreitadas, que possa evoluir da actual capacidade de 850 mil TEU para, previsivelmente, ultrapassar 1,2 milhões de TEU. Estes são apenas alguns exemplos de uma intervenção integrada com todas as unidades de negócio do universo da APDL, que se centram na ambição de que as prestações do porto, mesmo em situação de pandemia, nos fazem mobilizar para prosseguir com o crescimento e a sua afirmação no panorama da economia nacional.
Acreditamos que estes projectos, em sintonia com a aposta nacional na ferrovia e no investimento nas suas infraestruturas, para além de potenciar a extensão do hinterland do Porto de Leixões, acrescentará renovadas valências e mais valias para as empresas que actualmente são clientes do porto e servirá de atracção para outras unidades da região e do país.
Objectivo passa por aumentar a digitalização do negócio
Em tempos de pandemia e do aumento das soluções digitais, qual é o ponto de situação da digitalização, bem como da implementação da JUL, que pretendia abarcar toda a cadeia logística, fazendo a interligação entre meios de transporte terrestres, portos secos, plataformas logísticas, bem como promover a excelência na performance dos serviços portuários?
É nossa intenção aumentar a digitalização do nosso negócio, através de investimento partilhado, mobilizado pela autoridade portuária. Vamos construir o primeiro Data Center Tier 3 público, que nascerá em Matosinhos, e que reforçará a Segurança da Informação e Ciber-segurança, um elemento crítico para os portos. Este equipamento possibilitará ainda reforçar a resiliência e garantir a continuidade do negócio em situações críticas, mantendo a prioridade de agilizar os nossos processos com visibilidade sobre os diversos sistemas e redes e permitindo ser mais rápidos face às necessidades do mercado.
O projecto da JUL, liderado pela DGRM e coordenado pela APP – Associação dos Portos de Portugal, envolve todos os portos portugueses e stakeholders a nível nacional e tem como principal objectivo o incremento da eficiência dos portos, assim como a uniformização e harmonização de procedimentos nos portos portugueses.
Em Leixões, a JUL encontra-se em fase de testes em paralelo com o normal funcionamento da JUP. A migração definitiva para a JUL deverá ser anunciada em breve.
Porto de Leixões prevê atingir neutralidade carbónica até 2035
A Sustentabilidade é uma questão incontornável na actualidade. Quais as vossas principais diretrizes?
A APDL assume a descarbonização, a transição energética e a digitalização do negócio como promotores e receptores de todos os investimentos que perspectiva concretizar, garantindo maior sustentabilidade e eficiência nas operações e em toda a actividade portuária, bem como a redução da sua pegada ambiental.
A sustentabilidade das operações no Porto de Leixões e em todas as unidades de negócio da APDL é encarada não como mais uma frente, mas como a meta que deve acompanhar todos os investimentos que são planeados e executados. O Porto de Leixões deu início ao processo de transição energética que o levará a atingir a neutralidade carbónica até 2035, tornando-o o primeiro porto na Europa a ser auto-suficiente a nível energético, com capacidade para obter toda a sua energia a partir de fontes renováveis. Ao longo deste ano, a APDL está a apresentar o seu Roteiro de Transição Energética e Digitalização do Negócio, orientando um conjunto de investimentos que dotarão as nossas infraestruturas de equipamentos menos poluentes e potenciem o “mix energético” do porto, a partir do recurso a energias mais limpas, colocando-o ao nível dos principais portos do mundo e redobrando o seu empenho no crescimento de uma actividade sustentável.
Alcançar a neutralidade carbónica e a auto-suficiência energética em 2035, significará fazê-lo 15 anos mais cedo do que o estipulado no chamado European Green Deal, um compromisso assumido por todos os estados membros da UE para alcançar a neutralidade climática e que estabelece uma estratégia continental para fazer dos portos europeus a primeira zona livre de emissões no mundo, até 2050.
O Porto de Leixões estará assim na linha da frente dos portos europeus na transição para um novo modelo energético que garante a actividade portuária e o progresso económico, tornando-o conciliável com uma sensibilidade ambiental assumida como gerador de novas oportunidades de desenvolvimento, compatíveis com a sustentabilidade e a saúde da população.
O facto de Leixões estar situado entre duas cidades, no centro de uma das maiores áreas urbanas do país, aumenta a nossa responsabilidade e faz-nos acreditar que é possível tornar o porto mais verde e, simultaneamente, mais competitivo.
Assinalamos, por exemplo, a medida adoptada no início de 2021, para a proibição de circulação e entrada de camiões até Euro IV, inclusive, como forma de reduzir as emissões poluentes em 50%. Esta opção teve o cuidado de acautelar a normal adaptação do sector dos transportes rodoviários, prevendo-se que os veículos já registados no porto tenham um período de 2 anos (Euro I e II) e de 3 anos (Euro III e IV) para a sua substituição. Além disso, Leixões irá condicionar o acesso de veículos ligeiros à área portuária em 2022. Para além de contribuir para a diminuição das emissões, as novas regras e procedimentos irão também aumentar a segurança e a protecção dentro daquela área portuária e libertar mais espaço para as operações portuárias.
Por outro lado, o investimento de mais de 14 milhões de euros que a APDL fez para a aquisição de dois rebocadores de última geração, que substituirão os actuais e consubstanciarão a redução de 80% das emissões poluentes. Estas iniciativas demonstram aquilo que pretendemos para o futuro de Leixões, numa óptica de se posicionar este porto enquanto aliado no cumprimento dos objectivos europeus da neutralidade carbónica, que o país subscreveu e nos quais estamos activamente empenhados em participar, tendo ainda recentemente aderido à rede Global Compact da ONU, num sinal da cooperação e empenho sobre esta dimensão.
O Porto de Leixões está, neste momento, a iniciar testes com um camião eléctrico na operação de contentores numa parceria que envolve a APDL e a Yilport. Para além do know-how interno ganho com este projecto piloto que será vantajoso na futura transição para soluções operacionais com esta base tecnológica, esta iniciativa tem ainda benefícios ambientais imediatos. Seremos um dos portos pioneiros na transição energética, assumindo um compromisso claro com a defesa do ambiente e com a minimização do impacto do porto na envolvente urbana ao nível das emissões.
A ambição de um porto mais verde e sustentável é, aliás, um desígnio que atravessa toda a actividade portuária e que a APDL está empenhada em concretizar com efeitos imediatos.
Este artigo foi publicado na edição nº 182 da revista Logística Moderna