O Grupo Altri, produtor europeu de referência de fibras celulósicas de eucalipto, conta, através das suas três unidades de produção em Portugal, a Celbi, a Caima e a Biotek, com uma capacidade instalada de mais de 1,2 milhões de toneladas de pasta de papel e de pasta solúvel.
Recentemente, o Grupo apostou na produção de fibras têxteis de base celulósica. Neste sentido, foi assinado um Memorando de Entendimento com um consórcio público-privado da região da Galiza, para estudar em exclusivo, a construção de uma unidade industrial de raiz que venha a ter capacidade para produzir anualmente cerca de 200 mil toneladas de pasta solúvel e fibras sustentáveis. O investimento total do projeto poderá ultrapassar os 700 milhões de euros.
O Grupo está também presente no setor de energias renováveis de base florestal, através da sua participada GreenVolt que tem vindo, e vai continuar a desenvolver o projeto de expansão nacional e internacional. Para explicar as operações de produção e logística do Grupo, a Logística Moderna falou com Hermano Sousa, Diretor de Logística da Altri.
Logística Moderna – A matéria-prima da pasta de papel é a madeira, que tipo ou tipos de madeira utilizam para produzir a vossa pasta? Qual a sua origem? A produção é da própria Altri ou de terceiros?
Hermano Sousa – O Grupo Altri é um produtor europeu de referência de pasta de papel de eucalipto. O eucalipto destaca-se como a principal cultura da floresta da Altri, garantindo um autoabastecimento complementar ao fornecido pelo mercado em madeira e biomassa.
Os recursos florestais da Altri são quase exclusivamente nacionais. Embora se encontrem dispersos em todo o país, na sua grande maioria estão concentrados no Vale do Tejo.
A origem desta madeira é toda de florestas sustentavelmente geridas? Quantos hectares gerem, direta ou indiretamente?
O Grupo Altri, através das suas subsidiárias Altri Florestal, S.A. e Florestsul, S.A., tem sob gestão cerca de 86,3 mil hectares de terrenos florestais em território nacional, equilibrando nesta área floresta de produção (essencial para a nossa atividade) e floresta de conservação.
Os terrenos estão integralmente certificados pelo Forest Stewardship Council (FSC) e pelo Programme for the Endorsement of Forest Certification (PEFC), duas das mais reconhecidas entidades certificadoras a nível mundial.
Começa a haver exemplos de sustentabilidade e de proteção das florestas como, por exemplo, Blockchain e o IoT. Conseguem controlar a origem da madeira que usam?
Os recursos florestais da Altri são quase exclusivamente nacionais. Os terrenos florestais sob gestão contam com a certificação pelos principais sistemas de certificação de gestão florestal sustentável, o que representa uma garantia para a prossecução dos objetivos do Grupo, hoje e no futuro.
Os incêndios são um problema na floresta portuguesa, qual o impacto que têm na vossa cadeia de valor?
A preservação do património florestal é um dos grandes objetivos da Altri, nomeadamente na defesa da floresta contra os incêndios. Todos os anos são, por isso, feitos investimentos de milhões de euros em intervenções preventivas, bem como desenvolvida a colaboração com as restantes empresas congéneres no combate aos fogos e o esforço e dedicação de todo o pessoal nos sistemas de prevenção e combate aos incêndios.
Recursos florestais próximos dos centros fabris
Qual a distância média que a madeira percorre até chegar à fábrica? Como é feito o transporte? Esta é armazenada ou imediatamente processada? Há cuidados especiais a ter com a madeira, antes de esta ser processada?
Os recursos florestais do Grupo Altri estão bastante próximos dos centros fabris. Esta proximidade tem uma grande importância estratégica pois permite uma otimização dos custos de transporte, assim como uma grande eficácia na mobilização de madeira quando comparada com a produção de madeira localizada a maiores distâncias.
Quais são as principais etapas para a produção da pasta de papel?
São várias as etapas para que a madeira seja transformada em pasta de papel. Primeiro, a madeira de eucalipto chega às fábricas sob a forma de rolaria com casca, rolaria sem casca ou em aparas. Depois do descasque e destroçamento que transforma a madeira em aparas, segue-se o cozimento da madeira. As aparas são alimentadas em conjunto com licor branco a um digestor contínuo. Os químicos dissolvem a lenhina, a substância responsável pela agregação das fibras, com libertação destas, resultando a chamada pasta crua. Para a Celbi e Biotek usa-se o processo kraft alcalino, no caso da Caima o processo usado é o sulfito de base magnésio.
A pasta crua resultante do cozimento é lavada, para remover produtos residuais, orgânicos e inorgânicos, resultantes do processo de cozimento e submetida a operações de crivagem, para remoção de partículas não cozidas e outras impurezas. Na Celbi e na Biotek a pasta crua é submetida a uma deslenhificação com oxigénio, do qual resulta uma pasta amarela, que é enviada para a instalação de branqueamento, sendo que na Caima pasta é alimentada de imediato ao branqueamento. De seguida, através de reações químicas, com agentes branqueadores, até se tornar numa pasta de suspensão espessa, de cor branca. Procede-se, depois, à prensagem e secagem da pasta que, por fim, é cortada em pedaços mais pequenos, que por sua vez são empilhados em fardos que seguem para os armazéns.
Altri produz energia de forma sustentável
Quais são os factores de produção críticos para além da matéria-prima? Energia? Água? Outros?
A energia é muito importante, sendo que o Grupo Altri faz o aproveitamento de sobrantes do processo de produção para a produção de energia elétrica para alimentar as suas unidades, mas também para injetar na rede. A água é igualmente crítica para a produção do Grupo, sendo também neste caso feita uma gestão altamente eficiente deste recurso de forma a reduzir ao máximo o seu consumo.
O preço da energia em Portugal é elevado. Já produzem energia através de meios sustentáveis? Conseguem recuperar parte da energia gasta no processo de produção?
O Grupo Altri já produz energia de forma sustentável, sendo mesmo líder no setor das energias renováveis de base florestal. A energia produzida através de licor negro — um subproduto do processo de produção de pasta — é utilizada para suprir as necessidades das fábricas sendo o excedente injetado na rede elétrica nacional, enquanto a energia produzida através da biomassa é totalmente integrada na rede elétrica nacional.
A água, as grandes necessidades exigidas no processo de produção, são um tema delicado. Que esforços têm sido feitos para minimizar a sua utilização? Que esforços é que estão a fazer para garantir a sustentabilidade da vossa atividade?
No Grupo Altri, a água tem uma função de elevado valor, quer enquanto recurso hídrico nas florestas, quer enquanto recurso de produção, nomeadamente no transporte das fibras de celulose, na sua lavagem, na formação da folha de pasta e em circuitos de aquecimento e arrefecimento.
Neste sentido, temos vindo a implementar medidas no sentido da redução do uso específico da água, mas também sistemas que permitem reciclar, sempre que possível, as águas residuais tratadas nas unidades industriais. Atualmente, a água pode ser recirculada cerca de 10 vezes antes de ser enviada para tratamento nas estações existentes nas unidades. Cerca de 83% da água captada nas fábricas é devolvida ao ambiente após ser devidamente tratada.
A atual seca que o país atravessa pode afetar a vossa atividade?
A água é muito importante para a Altri, tanto enquanto recurso hídrico nas florestas, quer enquanto recurso de produção. Neste sentido, vemos com preocupação o atual período de seca que o País atravessa, ainda que não prevemos que venha a ter impacto na nossa atividade tendo em conta a forma cada vez mais eficiente e responsável como utilizamos este importante recurso. Recordamos que no âmbito do “Compromisso 2030”, a Altri comprometeu-se em reduzir o uso específico de água nas suas fábricas em 50%.
Digitalização dos processos aumenta eficiência das unidades
A digitalização tem um papel importante na gestão do processo de produção? Que tipos de tecnologias utilizam?
Têm sido implementados vários projetos no domínio da digitalização dos processos, procurando aumentar ainda mais a eficiência das nossas unidades.
Na Altri, recorremos a um sistema de informação geográfico que permite a visualização e consulta de cartografia e outra informação relativa às áreas de gestão florestal. Temos ainda a “visão artificial” para a identificação da madeira e das quantidades que chegam às nossas fábricas, mas também um sistema que permite unificar os códigos de material em armazém com o objetivo de baixar stocks.
Um processo de produção contínuo exige que seja feita manutenção preventiva?
No que respeita à manutenção, procedeu-se à instalação de sensores que suportam modelos preditivos de falhas e avarias, com vista ao aumento da disponibilidade das fábricas que, em última análise, se traduz num aumento da capacidade de produção.
Há outros desenvolvimentos relevantes no sentido de aumentar a produção, nomeadamente a introdução de sistemas tecnologicamente avançados que permitem maximizar o aproveitamento da matéria-prima. Recentemente foi implementada na Celbi uma tecnologia única a nível mundial que veio permitir recuperar desperdícios finos resultantes do processo de conversão da madeira, garantindo o uso da totalidade da matéria-prima e maximizando a rentabilidade do processo.
Intralogística com necessidades específicas
Qual a quantidade de pasta de papel produzida anualmente?
O Grupo Altri chegou ao final dos primeiros nove meses de 2021 com uma produção de pasta em níveis recorde, ascendendo a 865,9 mil toneladas. Em termos anuais, em média, produzimos cerca de 1,2 milhões de toneladas de pasta de celulose para o mercado.
Quantos colaboradores têm na produção?
Contamos, atualmente, com mais de 750 colaboradores, distribuídos pela Altri Florestal e as unidades de produção da Celbi, Caima e Biotek.
Como é “embalado” e armazenado o vosso produto? Exige necessidades específicas ao nível da armazenagem?
As folhas de pasta de papel são tipicamente embaladas em fardos de entre 200 e 250 kgs, em envelopes feitos da própria pasta de papel e atados com arame. Agrupam-se posteriormente 8 fardos num fardão (unit), que pesa entre 1.600 e 2.000 kgs, utilizando novamente arames de unitização que permitem içar os nossos produtos para os porões de navios convencionais.
Para além de controlo de humidade e temperatura média, estanquicidade e limpeza, idealmente os armazéns requerem áreas de circulação adequadas a empilhadores de 9 toneladas e alturas úteis superiores a 7 metros.
Qual o tempo médio que o produto fica em armazém? Utilizam algum tipo de WMS?
Sim, utilizamos ferramentas de WMS (SAP ERP) que nos ajudam a gerir um produto de rotação muito elevada e que não permanece em armazém por mais do que 6 dias.
66% das vendas transportadas por mar
A produção é maioritariamente para exportação?
Sim, o nosso produto é maioritariamente exportado: a pasta dissolving dirige-se essencialmente ao Extremo-Oriente e a pasta papeleira viaja principalmente para Europa e bacia do Mediterrâneo. Exportamos cerca de 90% da nossa produção para 20 países e 3 continentes.
Como é expedido o produto? No caso da rodovia, os meios são próprios ou recorrem ao outsourcing? Qual o peso do transporte marítimo?
A operação de carregamento, seja nos nossos armazéns fabris seja nos centros de distribuição é totalmente efetuada em regime de outsourcing. Os meios de transporte também são integralmente contratados no mercado. As nossas vendas são maioritariamente transportadas por mar (66%) representando o modo marítimo 93% da distância percorrida pelos nossos produtos finais (tkm).
Neste momento o custo dos fretes tem afetado a vossa atividade?
Obviamente que os nossos fretes foram impactados pelo contexto atual quer em termos de transporte contentorizado quer no transporte marítimo convencional de curta distância.
A crise pandémica trouxe novos desafios à atividade?
A pandemia veio trazer novos desafios, num primeiro momento, com uma alteração considerável no mix geográfico dos nossos mercados arrastados por alterações nos padrões de consumo. As alterações do próprio mercado de transporte, que são de todos conhecidas, vieram adicionar mais complexidade a este processo.
Estamos neste momento em fase de avaliação do grau de resiliência do nosso modelo logístico sendo para isso importante separar os efeitos sistémicos desta crise sobre as cadeias de transporte dos efeitos meramente conjunturais.
Artigo completo na edição nº 183 da revista Logística Moderna (pode ler em www.logisticamoderna.com)