A primeira reação da jovem investigadora foi de perplexidade. Ao contrário da hipótese que ela formulara, os dados revelavam algo surpreendente: as equipas médicas que tinham globalmente o melhor desempenho eram também aquelas que cometiam mais erros. Como explicar este paradoxo? A razão surgiu-lhe mais tarde, após novas pesquisas: aquelas equipas trabalhavam num clima que as fazia sentir-se mais confortáveis a reconhecer e a reportar os seus próprios erros – e graças a isso a aprender com eles.
Tenho defendido frequentemente nesta coluna um modelo de liderança orientado para a delegação, em que os trabalhadores disponham da autoridade necessária para tomar decisões, sejam encorajados a tomar a iniciativa para resolver problemas e, naturalmente, sejam treinados e capacitados para o fazer.
Infelizmente, este modelo esbarra em dois obstáculos: por um lado, a falta de confiança dos líderes no discernimento dos seus subordinados e o receio de que estes cometam erros que se revelem danosos para a organização; e por outro, o medo que os próprios trabalhadores têm de ser penalizados se efetivamente cometerem algum erro.
Ora, os erros são uma valiosa fonte de aprendizagem e como tal essenciais para que as organizações possam melhorar continuamente. Pretender evitá-los a todo o custo graças a uma supervisão apertada e à concentração das decisões nuns poucos membros da hierarquia é não só ilusório como pernicioso para a organização. Sem contar, evidentemente, com a desmotivação e o descomprometimento induzidos na força de trabalho, que se vê assim desumanizada e apenas “paga para fazer, não para pensar”.
Tudo isto nasce da convicção falaciosa de que “organizações bem geridas não cometem erros”, que leva a sobrevalorizar os danos potenciais em detrimento das mais-valias da aprendizagem com cada erro cometido. O erro é considerado vergonhoso e estigmatiza quem o comete; mesmo sem a ameaça de penalizações materiais ou disciplinares, aqueles fatores psicológicos chegam para torná-lo absolutamente indesejável. Em consequência, os erros – que continuam inevitavelmente a ocorrer – deixam é de ser reconhecidos e reportados; pior ainda, os trabalhadores renunciam a correr qualquer tipo de risco e deixam os problemas agravar-se por falta de resposta ou desistem de experimentar novas soluções.
Pelo contrário, uma cultura caraterizada pela “segurança psicológica” – um constructo desenvolvido por Amy Edmonson, professora em Harvard e protagonista do episódio relatado no parágrafo inicial, que foi a sua fonte de inspiração – é aquela em que os trabalhadores podem assumir riscos “inteligentes” (já voltarei a este qualificativo) sem recear sofrer qualquer tipo de retaliação. Desenvolver um ambiente de segurança psicológica exige dos líderes quatro iniciativas chave:
Dar uma razão para assumir riscos e para não esconder os erros. Por exemplo, falar da necessidade de experimentar novas ideias para atrair clientes, de apontar as falhas nos novos processos ou novos produtos para as corrigir e os melhorar continuamente, etc. Fazer compreender que trazer os problemas para a luz do dia não deve ser visto como uma ameaça para a organização ou para os empregos; pelo contrário, a sua rápida resolução é a melhor defesa contra essa ameaça.
Fazer da abordagem dos erros uma conversa de rotina. Falar dos erros cometidos ou detetados deve ser parte integrante das conversas regulares de gestão e orientação do desempenho que o líder deve ter com membros da sua equipa.
Eliminar os castigos. Mostrar aos trabalhadores que a promessa de não retaliação é para valer, excetuando naturalmente os casos de dolo ou negligência grosseira. Evitar também linguagem corporal, verbalizações, reações que mostrem desagrado ou reprovação, que serão interpretadas como hostis e levarão o trabalhador a retrair-se.
Recompensar. Não em termos materiais – ou pelo menos não diretamente – mas elogiando publicamente a assunção e a comunicação de erros como um ato de generosidade e enfatizando o seu contributo para o interesse comum.
Note-se que para a professora Edmonson a segurança psicológica não é sinónimo de permissividade em relação ao erro. Pelo contrário, ela é uma crítica do mantra “fail often, fail fast” propalado por exemplo por Elon Musk e outros, que vê como desleixo perante erros que podiam e deviam ser evitados. Para explicar porquê, classifica os erros em três categorias: básicos, complexos, e inteligentes. Os primeiros podem ser previstos e só ocorrem por distração ou negligência; no extemo oposto do espectro, os segundos dependem de uma multiplicidade de fatores e são imprevisíves e inevitáveis; entre os dois extremos, os erros inteligentes permitem testar hipóteses baseadas no conhecimento existente, conduzem a um avanço (e.g. mais conhecimento, melhoria num produto, melhor gestão do risco…), e ocorrem sob controlos que minimizam as suas consequências. É para esta última categoria que devemos canalizar os nossos erros, criando as circunstâncias que ajudem a cumprir aqueles três critérios.
Criar um ambiente de segurança psicológica exige um contributo de todos – líderes e trabalhadores – e sem dúvida que todos nos sentiremos mais seguros se soubermos que, quando cometemos erros, aprendemos fazê-lo inteligentemente.