A Guerra Russia-Ucrânia e a supply chain global

A invasão russa da Ucrânia já começou a causar problemas nas cadeias de abastecimento globais que ainda não tinham recuperado completamente dos problemas causados pela pandemia, aumentando os custos, provocando tempos de entrega maiores para além de outros desafios para as empresas que tentam movimentar mercadorias a nível global.
O conflito na Ucrânia, um país de grandes dimensões (sensivelmente do mesmo tamanho da Alemanha e França) que liga a Europa à Ásia, provocou o cancelamento ou redireccionamento de alguns voos, exercendo pressão sobre a capacidade de carga e levantando preocupações sobre novas rupturas da cadeia de abastecimento. Está a pôr em risco o fornecimento global de produtos como platina, alumínio, óleo de girassol e aço, e a fechar fábricas na Europa, Ucrânia e Rússia. Outra consequência é a subida dos preços da energia, aumentando ainda mais os custos de transporte.
O conflito está também a criar algum caos entre empresas globais ao obrigar as mesmas a cortarem o comércio com a Rússia para cumprir as sanções mais abrangentes impostas a uma grande potência económica desde o fim da Guerra Fria, e embora as implicações económicas da guerra e as sanções generalizadas impostas à Rússia ainda não sejam claras, muitas indústrias estão a preparar-se para que a situação ainda vá piorar, pois as cadeias de abastecimento ainda estão vulneráveis por causa da pandemia. Os portos nos EUA ainda estão congestionados, o preço dos transportes está muito elevado e as fábricas encerradas na Ásia ainda constituem um problema.
Como pode ser visto numa análise rápida, há muitas cadeias de valor que vão ser afectadas, embora numa situação complexa como a que enfrentamos seja difícil fazer previsões. Basta pensar que a Europa não vai aparentemente lançar sanções à importação de energia, mas a Rússia pode optar por retaliar neste sector.

 

Sector automotive
As empresas com cadeias de abastecimento globais complexas, como os fabricantes de automóveis, já estão a sentir os efeitos. A Volkswagen disse na terça-feira que a escassez de peças a obrigaria a abrandar a produção na sua fábrica principal em Wolfsburg e em várias outras fábricas alemãs, enquanto a BMW disse que iria reduzir a produção em instalações na Alemanha, Áustria e Grã-Bretanha.
Mas os fabricantes de automóveis podem ainda vir a sofrer com a escassez de outros materiais chave. A Ucrânia e a Rússia são ambas fontes substanciais de paládio e platina, utilizados em conversores catalíticos, bem como de alumínio, aço e cromo.
As falhas de semicondutores que afectam o sector automotive e outros, estão a obrigar a que todos olhem com cuidado para os stocks globais de néon, xenon e paládio, matérias-primas essenciais necessários para fabricar semicondutores.

 

Sector agro-alimentar
A Ucrânia e a Rússia são importantes produtores de outras matérias-primas destinadas ao sector agro-alimentar, como o óleo de girassol de que ambos são importantes produtores e que pode afectar fabricantes de batatas fritas e cosméticos. A Rússia (o maior produtor mundial) e a Ucrânia são grandes produtores de trigo, cevada e milho e se o conflito for prolongado, poderá ameaçar a colheita de trigo de Verão. Todos estes factores terão certamente impacto em produtos como o pão e massas alimentares, afectando um grande número de pessoas, especialmente na Europa, Norte de África e no Médio Oriente.

 

Sector dos transportes
Os preços dos transportes que já se faziam sentir vão certamente agravar-se, tanto mais que as grandes empresas armadoras como a Maersk, que já anunciou que vai suspender temporariamente todas as remessas de e para a Rússia por via marítima, aérea e ferroviária, com excepção de alimentos e medicamentos. Outras empresas de transporte marítimo como a Ocean Network Express, Hapag-Lloyd e MSC anunciaram suspensões semelhantes.
Os transportes vão também sofrer perturbações, os portos marítimos em redor do Mar Negro fecharam, parando dezenas de navios de carga. Mas é provável que os efeitos mais imediatos se façam sentir nos transportes aéreos entre a Ásia e a Europa, que agora têm de se desviar em torno do espaço aéreo russo.
A Europa Ocidental e a Rússia impuseram proibições recíprocas de voo, suspendendo as viagens entre as duas regiões e os EUA tomaram medidas semelhantes.
À medida que os aviões se começarem a desviar do espaço aéreo russo, levarão mais tempo e gastarão mais em combustível, pelo que poderão optar por cargas mais pequenas e mais leves, sendo provável que o impacto na carga aérea seja grande. Os voos entre Nova Deli e Londres, por exemplo, foram, em média, cerca de 8% mais longos do que os voos semelhantes efectuados três meses antes, revelaram os dados da Flightradar24.
Tempos de viagem mais longos podem criar atrasos e estes podem ter um efeito dominó para indústrias que dependem do transporte aéreo, o que inclui a electrónica, os semicondutores e a fast fashion.

 

Sector do comércio internacional
As empresas internacionais estão também a tentar cumprir as sanções financeiras e os controlos de exportação impostos pela Europa, pelos Estados Unidos e por vários outros países que têm colocado entraves aos fluxos de bens e dinheiro que entram e saem da Rússia. Em apenas alguns dias, os governos ocidentais decidiram excluir certos bancos russos da utilização do sistema de mensagens SWIFT, limitar a capacidade do banco central russo de sustentar o rublo, cortar as remessas de bens de alta tecnologia e congelar os activos globais dos oligarcas russos.
Estas medidas não podem ser minimizadas pois mesmo quando os fluxos comerciais podem ter lugar directamente entre a Rússia e os outros parceiros comerciais, a realidade é que os pagamentos têm frequentemente de passar por um sistema financeiro dominado pelo Ocidente e uma moeda ocidental.
Os bancos mundiais preparam-se para os efeitos das sanções destinadas a restringir o acesso da Rússia a capitais estrangeiros e limitar a sua capacidade de processar pagamentos em dólares, euros e outras moedas cruciais para o comércio. Os bancos estão também em alerta para os ciberataques de retaliação por parte da Rússia. Credit Suisse e Société Generale suspenderam o financiamento para o comércio de mercadorias com a Rússia, tal como o Banco Industrial e Comercial da China.
Todas estas sanções colocam os mercados sob forte pressão. O mundo dos negócios gosta de operar com certezas, pelo que tudo isto torna os seus actores bastante nervosos em aceitar contratos sobre mercadorias russas quando tudo é tão incerto, tanto mais que ainda há muitas dúvidas do tipo de transacções que vão ser possíveis de realizar.

 

Sector da energia
O ataque da Rússia à Ucrânia já está a causar aumentos nos preços da energia, os preços do petróleo já são os mais elevados desde 2014, e têm aumentado à medida que o conflito se agrava. A Rússia é o terceiro maior produtor de petróleo, fornecendo aproximadamente um de cada 10 barris que a economia global consome.
A Rússia é ainda um grande fornecedor de gás natural. A Europa recebe quase 40% do seu gás natural da Rússia, e é provável que se veja confrontada entre outros problemas com facturas de aquecimento mais elevadas. As reservas de gás natural nos países europeus têm vindo a reduzir-se e os líderes europeus acusaram o presidente da Rússia, Vladimir Putin, de reduzir o fornecimento para ganhar vantagens políticas.

 

Sector da mineração
No sector da mineração os metais essenciais começam a escassear. O preço do paládio, utilizado em sistemas de escape de automóveis e telemóveis, tem subido em flecha no meio de receios de que a Rússia, o maior exportador mundial do metal, possa ser excluída dos mercados globais. O preço do níquel, outra exportação chave da Rússia, também tem vindo a subir.

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