“Aquele que nunca aprendeu a obedecer não pode ser um bom comandante”.
Esta afirmação de Aristóteles, o filósofo grego cujas ideias mais influenciaram o pensamento ocidental, dá-nos o mote para o tema deste texto: a “seguidança”, um neologismo que foi preciso inventar para traduzir followership, por contraponto à liderança ou leadership.
Em contraste com a abundantíssima literatura sobre esta última, são escassos os textos sobre o followership ou seguidança. Ora, isto significa desprezar um aspeto essencial da liderança: a sua natureza relacional. Dito por outras palavras não há líderes sem seguidores, e é na forma como se estabelece a relação entre ambas as partes que se joga a qualidade e a eficácia da liderança.
O facto de o vocábulo “seguidança” ser um neologismo não é fruto do acaso. A nossa matriz cultural tolera elevados níveis de desigualdade na distribuição do poder e aceita a submissão como algo natural, o que por sua vez inquina as culturas organizacionais com a sobrevalorização dos líderes, remetendo os liderados para um papel totalmente passivo, como se não contassem para nada.
E no entanto, “seguidança” acaba por ser uma tradução feliz porque, tal como “liderança”, rima com “dança” – e uma dança a dois é uma das melhores analogias a que podemos recorrer para descrever o tipo de relação que deve existir entre líderes e seguidores.
Mas que género de dança é essa? Quais são os seus passos típicos? Como evitar que ambos os dançarinos se pisem um ao outro enquanto rodopiam pelos palcos organizacionais?
Comecemos pelo seguidor; as suas principais qualidades são quatro: a proatividade, a independência de espírito, a lealdade e a humildade. São as duas primeiras que lhe permitem ter uma opinião diferente do líder, a coragem para a manifestar, a iniciativa para propor alternativas e o sentido de responsabilidade para assumir o comando na ausência daquele. Graças à lealdade, o líder sabe que pode contar sempre com ele mesmo quando as suas opiniões ou sugestões não são acolhidas. E a humildade – que à primeira vista pode ser contraditória com as primeiras – é aquilo que o leva a ouvir antes de falar e a admitir que pode não ter razão. Em contraste, um seguidor proativo mas sem independência de espírito é um bajulador e um yes man, que acorre a aplaudir as decisões do chefe e foge a sete pés de ter de dar-lhe as más notícias. Sem nenhuma delas, é um ser amorfo e submisso que nunca passará disso. Porém, o mais perigoso é o seguidor capaz de opinião própria mas que se abstém de a manifestar: em linguagem popular, é o “sonso” que manobra na sombra para alcançar os seus objetivos pessoais em detrimento dos do grupo ao mesmo tempo que se recusa a correr riscos ou assumir responsabilidades.
Voltando às caraterísticas do bom seguidor, em que é que elas o preparam para ser um bom líder?
Hoje, num mundo marcado por uma complexidade e uma ambiguidade crescentes, os melhores líderes são a antítese do “líder heróico” de outros tempos. São aqueles que têm consciência de não ter só certezas, de não conhecer todas as respostas, de não possuir toda a informação. E sobretudo que não têm pejo em admitir que estas fragilidades são humanas e fazem parte da sua autenticidade. O que os distingue é fazerem perguntas em vez de darem ordens; saberem ouvir antes de decidir; aceitarem ser questionados e pedirem e ouvirem sugestões sem se sentirem desautorizados; distinguirem a mensagem do mensageiro e não culparem este último pelas más notícias.
Todos estes comportamentos – autenticidade, humildade para reconhecer as suas limitações, saber ouvir, iniciativa, sentido de responsabilidade, lealdade – são aprendizagens que o líder faz enquanto seguidor. E são também as respostas que espera do líder quando cumpre o papel de bom seguidor – uma espécie de reflexo do outro lado do espelho.
É esta a essência da liderança: uma relação de influência que não se exerce num único sentido (do líder para os seguidores) mas nos dois, tal como num par que dança ao som da mesma música e, fazendo-o, dá um sentido mais completo à conhecida afirmação de que “os bons líderes não criam seguidores, criam outros (bons) líderes”.
Desde logo, impedem que surjam “maus líderes”: o nosso “líder-seguidor” é o oposto do líder tóxico, que sabe sempre mais do que toda a gente, se considera acima de todos e se compraz em humilhar os seus colaboradores. O “líder-seguidor” é incompatível com personalidades narcísicas: pura e simplemente não as tolera e recusa-se a promovê-las.
Para consumar a sua missão de criador de líderes, falta-lhe apenas uma coisa, como escreveu magistralmente Thomas Paine, um dos Pais Fundadores da república americana: “Follow, lead, and get out of the way”.
Falta-lhe sair da frente. Só assim pode abrir espaço para que os seus seguidores desabrochem como líderes. A princípio, para se dedicar a criar uma nova fornada de líderes. Por fim, um dia, de vez e com a missão cumprida.
Porque a maior prova de sucesso do seguidor que se fez líder é poder um dia sair da frente.
João Paulo Feijoo
Consultor, docente e investigador