No meu primeiro artigo para esta revista prometi voltar a um tema fundamental para a dupla questão da liderança e da gestão: serão conciliáveis de alguma forma, ambas as funções? Por outras palavras, será, ou não, possível que um mesmo agente, numa organização, possa ser Gestor e Líder, simultaneamente, apesar das especificidades e aparentes contradições das competências envolvidas?
Invariavelmente quando pensamos num “Gestor” pensamos em alguém eminentemente racional, orientado para o planeamento e para os resultados, tendencialmente focado nos indicadores fornecidos pelos “números”, atento ao cumprimento escrupuloso dos procedimentos, regulamentos, como forma de cumprir metas e/ou objetivos e aumentar a eficácia e a rentabilidade da organização em que se encontra inserido.
Pelo contrário, a palavra “Líder” remete-nos para uma atitude tendencialmente mais emocional e menos mecânica, mais relacional e inspiracional, privilegiando a comunicação – quer vertical quer horizontal. No limite, um líder estará empenhado no desenvolvimento e bem-estar dos seus colaboradores que são olhados como indivíduos.
O carisma, a criatividade e a flexibilidade são caraterísticas promotoras de motivação dos grupos de trabalho que aliado a um certo carater visionário, conduz a resultados, para os quais, todos concorreram.
Para podermos chegar próximo de algumas conclusões, no âmbito desta da questão agora em análise, teremos de tomar em consideração em que nível, dentro da organização, estas dúvidas se colocam: se no seu “topo” ou se a níveis mais intermédios. Independentemente do nível hierárquico onde se situam, a realidade é que – salvo raríssimas exceções – o administrador, o gestor, o diretor, o coordenador, o supervisor ou o chefe de equipa por exemplo, têm a cima de si alguém a quem responder hierarquicamente e, a baixo, colaboradores sob a sua autoridade funcional.
Por outro lado, é interessante verificar que salvo alguns estrangeirismos, como por exemplo Team Leader, não se encontram, no cronograma organizacional, as figuras de “Administrador Líder”, “Diretor Líder” etc.. Paradoxalmente, a legítima expectativa dos colaboradores é que os administradores, gestores diretores, coordenadores, chefes de equipa, entre outros, assumam uma posição de liderança nas respetivas funções de chefia que ocupam. Assim sendo, parece que independentemente das tarefas mais ligadas ao planeamento e ao controlo executadas pelo “gestor” os seus colaboradores vão percecioná-lo como um líder, uma vez que esta “figura de poder”, com as suas decisões vai influenciar significativamente as suas vidas na organização e mesmo fora dela – lembremo-nos do vital equilíbrio entre a vida profissional e a vida pessoal.
Outro aspeto a considerar é diferença de perceções de líderes e de liderados. Se por um lado o “chefe”, na maior parte dos casos, é considerado um líder apenas porque lhe é dada a autoridade pela organização, por outro lado esse mesmo “chefe” pode estar convencido que os colaboradores seguem as suas diretrizes pela sua capacidade de influenciar positivamente, quando, na verdade, apenas o fazem por obediência à autoridade e não raras vezes por medo de perder o posto de trabalho.
Estabelecido o ponto de partida e assumindo o princípio que a liderança é um processo de influência de líderes sobre liderados, uma pergunta impõe-se de imediato: o que tem que acontecer para que os liderados sejam, verdadeiramente e positivamente, influenciados?
Uma das variáveis que surge comummente é o fato de os grupos de trabalho, equipas ou colaboradores em geral, aceitarem de forma tácita, a influência por parte de indivíduos – que poderão ser líderes formais ou mesmo informais, mas mais uma vez deixaremos esta questão do poder informal, para um futuro artigo – conhecedores dos seus pontos de vista, as suas realidades, das suas perceções. É justamente aqui que surge a capacidade de escuta, como um fator determinante para uma liderança eficaz.
Um Líder sabe escutar! Se olharmos para a natureza do trabalho – qualquer que ele seja – e dos seus processos, concluímos que a comunicação está sempre presente.
Rosemary Stewart interessa-se pela quantidade de tempo que as pessoas despendem na sua profissão conversando com os outros. Refere que essa atividade poderá variar com percentagens inferiores a 50%, mas em muitas profissões chega a atingir os 90% ou até mais. A contabilizar esta tarefa, estimou as conversas dentro da organização em que os interlocutores são os colegas, os subordinados, os chefes e outros superiores. Fora dela, os clientes os fornecedores e outros agentes que com ela interagem.
Afigura-se, deste modo, relevante que na observação dos sistemas de trabalho ser tomada em elevada consideração o tempo que a pessoa levará a comunicar com os outros, em especial nas várias hierarquias. Como o modelo de comunicação e relação nas organizações se processa maioritariamente de “cima para baixo”, é pois o “líder” que vai ter a responsabilidade de “empunhar a batuta” quanto ao estilo de comunicação que se pretende, em especial no tocante à forma como se emite e como se recebe.
A escuta surge assim num papel de destaque para a qualidade das relações e, consequentemente, para o estilo de liderança. Quanto tempo o Líder ocupa a falar com as outras pessoas? Com quem fala? Será que realmente as está a escutar, ou apenas as ouve? Se as escuta, terá um dos principais requisitos para ser líder, se, pelo contrário, evita escutar porque não tem tempo ou por outro qualquer motivo, ou ainda, se em vez de escutar se posiciona como uma “máquina de argumentação”, há que levantar a questão: Quer ser líder ou tem que assumir uma posição de liderança por motivos de promoção, por exemplo?
É incontornável que os colaboradores gostam de saber que são tomados em conta, que são escutados por aquele que os lidera.
Mas será que escutar verdadeiramente é fácil? Sem hesitação afirmamos que não! Não é! Que o digam os especialistas da escuta que também sofrem dessa enfermidade. Ouvimos referir com frequência que a empatia é o melhor caminho para escutar eficazmente.
A ideia de empatia é muitas vezes acompanhada de clichés como “colocar-se nos sapatos do outro” ou “vestir o fato do outro”, não sendo acompanhada por uma verdadeira compreensão empática. E neste ponto há dois conceitos que são associados como tendo o mesmo significado, quando, na verdade, não têm. Sentir “empatia” é diferente de compreender “empaticamente” outra pessoa. Entendendo-se este último conceito, como sendo um entendimento a partir do registo da pessoa que escutamos; um esforço para olhar o mundo a partir do olhar (perceção) do outro, da sua vivência, da sua emoção.
Dir-se-á que é impossível que tal aconteça, porque não se é o outro. De acordo. Mas no escutar verdadeiramente reside esta arte de efetuar esse movimento de aproximação, de vai-e-vem do registo do outro e voltar em ciclos sucessivos. Mas para além de uma aferição de palavras e ideias e/ou emoções, o mais importante para o colaborador, situa-se no valor do esforço investido pelo líder na sua compreensão, na sua vontade de entender, no interesse demonstrado no colaborador. Tal resulta num trabalho de equipa, de ajuda mútua, tornando o colaborador – por meio de processo de liderança partilhada – simultaneamente, líder desse processo de compreensão e liderado/modelado. Este processo será extensível a toda a organização.
Pelo exposto, e sendo certo que a doutrina diverge no que diz respeito à (in)conciliabilidade de gestão e de liderança, parece que na prática, o que surge como sendo aspetos relevantes, num primeiro momento, em contexto de trabalho, é o facto de que quem ocupa um lugar hierárquico superior é percecionando num patamar de liderança e que cada vez mais há uma noção clara que o fator humano não poderá ser encarado como uma massa informe passível de ser reduzido a estatísticas, charts, estimativas e indicadores….terá que ser escutado.
Tito Laneiro, Professor Universitário