Rooftop é o novo espaço da revista Logística Moderna, onde aproveitamos as vistas únicas proporcionadas por estes espaços da moda para estarmos à conversa com nomes relevantes da logística e da supply chain.
Jorge Marques dos Santos foi o nosso primeiro convidado. Engenheiro químico de formação dedicou grande parte da sua vida à logística. Em 1987 ingressou no grupo Sonae e depois de presidir a diversas áreas de negócios, foi administrador da Modelo Continente de 1992 a 1999. Ingressou na direção da APLOG onde cumpriu um mandato de presidente. Nos últimos anos presidiu o IPQ e, ultimamente, o IAPMEI.
Logística Moderna – No seu percurso profissional como é que chegou à logística?
J. Marques do Santos – No pico do grande desenvolvimento da logística. Depois de estar na Sonae, na área da agro-indústria em 1992 passei para a Modelo Continente e foi-me entregue o pelouro da logística, que na altura estava no seu pico. Por outro lado, havia a necessidade de uma intervenção da logística na área da grande distribuição e, por outro, tínhamos a guerra do golfo, as grandes discussões à volta da logística e a publicação de grandes livros que falavam da importância da logística no sucesso das concentrações. Ao nível da distribuição, nos EUA, a Walmart publicava sucessivamente trabalhos, em Inglaterra divulgavam-se notícias sobre a logística da Tesco. A Sonae, forte na distribuição, fez a leitura correta de que era crucial o investimento nesta área. Desenvolveu um projeto chamado “Login”. Enquanto administrador deste pelouro, passei a coordenar e a gerir a Modis, a empresa de logística. Um dos aspetos relevantes na Sonae e que deu um impulso grande na logística foi entendê-la não como uma gestão isolada do transporte ou do armazém da empresa, mas uma atividade em rede. Começámos a trabalhar em parceria com os fornecedores, o que implicou um planeamento conjunto, gestão de tempo, gestão de stocks, etc. Esta visão de rede é que me fez despertar muito para a questão da logística. Foi aqui que mergulhei no tema de forma profunda, apesar de já ser sensível à matéria com a experiência de 13 anos na administração e direção industrial da COPAM – Companhia Portuguesa de Amidos. Aqui fomos pioneiros, pois antigamente fazia-se a entrega em bidões e foi comigo que se começou a entregar em autotanques em camiões transportadores, envolvendo stocks nos clientes, planeamento das entregas.
Então o desafio é exactamente esse? Não como uma mera função, mas como algo mais complexo e completo.
Na altura os transportes eram arcaicos. Na Modis 90% dos transportes erem feitos em camiões com lona. Havia roubos, descontrolo dos trânsitos, das quantidades e do planeamento do reaprovisionamento dos entrepostos. A primeira coisa foi arrancar com os transportes ao introduzir-se os camiões de caixa rígida. Todos os transportadores começaram a ter este tipo de serviço. Como não havia quantidade suficiente optámos por ter os nossos próprios camiões, mas depois como o nosso negócio não era fazer o transporte, passámos a utilizar transporte em outsourcing. Os camiões de caixa rígida só eram utilizados nos congelados, mas começou-se a conjugar os congelados com as temperaturas controlada e ambiente. Tudo isto levou a uma revolução na forma de transportar. Mas não bastava transportar. Não se conseguia fazer uma gestão integrada e articulada com os fornecedores se não houvesse entrepostos. No âmbito desse projeto começámos a fazer estudos para definirmos onde é que iriamos colocar esses entrepostos para abastecer toda a zona sul do país, visto que para Norte tínhamos na Maia. Decidimos que iria ser na Azambuja. Na altura não havia lá nada, mas era onde tinha lógica. Só havia uma fábrica da Opel. Comprámos uns terrenos de uma antiga fábrica e construímos aí os entrepostos. A área ganhou tal importância que se transformou num pólo logístico. Um armazém não se coloca onde nos dá jeito, nem mais perto de uma loja. Estudar estes modelos complexos e chegar à conclusão que a logística é uma disciplina complexa foi muito importante. Nas fábricas, por exemplo, os responsáveis dos armazéns e dos transportes eram os funcionários do quadro com menos performance. Era quase um castigo: “Olha vai para os transportes, vai para o armazém”.
Face aquilo que já era a logística nos países mais evoluídos da Europa, quando começou em Portugal qual era o nosso atraso. Se é que havia?
Uma distância brutal. A forma de negociarem e exigirem níveis de serviço, planear, usar meios de transporte eficazes, já começavam a surgir as armazenagens automatizadas. Mas também digo, depois de fazermos toda esta introdução da logística em Portugal ficámos a um nível absolutamente fantástico. Nós temos uma enorme capacidade de adaptação e rapidamente estamos ao mesmo nível do que de melhor se faz. Sem uma logística de alto nível não vale a pena ter bons produtos. O esforço todo que se faça no controlo dos custos na fábrica perde-se na cadeia que é ineficaz.
Que áreas é que aponta como casos de sucesso?
A área de transportes. As empresas que evoluíram e deixaram de ser apenas transportadores e passaram a ser operadores logísticos, é um exemplo positivo. Passaram a ser capazes de fazer operações completas a nível internacional, com armazenagens automáticas, com a gestão em tempo real das frotas com acompanhamento ao longo de todo o trajeto com processos sofisticados, ao nível de georreferenciação.
Ao nível da grande distribuição que foi capaz de expandir os métodos que utilizava para os grandes hipermercados para os supermercados de média dimensão e, hoje, distribui-se por redes de supermercados pequenos espalhados pelas cidades com uma eficácia logística equivalente à que se faz para abastecer um hipermercado. Outro exemplo é na área da saúde. Antigamente o fornecimento das farmácias demoravam dias, hoje é imediato. Hoje em dia há uma capacidade de resposta fantástica. Isto significa que houve uma generalização da importância da logística. Não há nenhum setor em Portugal em que a logística não desempenhe um papel essencial.
Concorda com Martin Christopher, um dos gurus da logística professor em Crainfield, que diz que as empresas não concorrem umas com as outras. Quem concorre são as supply chain?
Em certa medida é verdade. Porque o que distingue as empresas é o nível de serviço, a capacidade de entrega. Aqui as cadeias de abastecimento têm um papel diferenciador. Veja-se a Amazon que começou por distribuir livros. Distingue-se porque é eficaz no seu sistema de distribuição e ganhou uma dimensão brutal. Hoje em dia a duração de um produto novo é muito curta. Apesar de ser inovador, passado pouco tempo já há outro produto igual. Se produzir um produto novo e não for capaz de o colocar massivamente e rapidamente no mercado, com níveis de serviço elevados, quando vai montar a máquina logística para o fazer já não vale a pena. Quando se concebe um produto é preciso conceber a estrutura logística associada.
Foi presidente da APLOG. Qual foi a importância da APLOG no desenvolvimento da logística em Portugal?
Foi essencial. A APLOG teve a vantagem de não ser uma associação empresarial e teve como intuito promover a discussão à volta da logística, através do convite de oradores internacionais, de conferências e de outras actividades. Foi relevante para a generalização da importância da logística em Portugal e foi a forma de dar importância aos profissionais que pensavam a logística, porque levavam para a empresa uma visão diferente de um simples operador de transporte ou de armazém.
Foi durante o seu mandato que se realizou o congresso da ELA em Portugal. Na altura, qual foi a sua importância para o setor?
Foi importante receber especialistas internacionais e ter outras perspectivas. Não podemos viver num mundo fechado. Tem de se viver num mundo de redes cada vez mais alargadas. É aqui que associações como a APLOG têm um papel essencial porque conseguem articular e mobilizar de forma generalizada os diversos intervenientes. É crucial pensar em conjunto e partilhar desafios e soluções.
Logística ou supply chain?
É um jogo de palavras. Logística é um termo militar que é mais colocado a tudo o que implica movimentação, armazenamento, aprovisionamento, etc. Supply chain é uma cadeia de abastecimento. É curto. Hoje em dia, por exemplo, a logística inversa, o despontar e o crescimento da economia circular ganha uma dimensão enorme. Hoje, quando se desenha um produto já tem de se pensar o que vai acontecer no fim da vida do produto, se vai ser reciclado, reutilizado…Essa operação toda que vai acontecer ao longo da vida do produto faz parte da logística e supply chain é uma palavra que só fala no supply, no abastecer. A atividade logística é mais vasta. Eu quase diria que é a cycle chain por oposição a supply, ou seja a cadeia do ciclo completo. Não se trata só do fornecimento ao longo da cadeia é também preciso repensar e redesenhar todos os aspectos associados ao ciclo de vida dos produtos. Eu continuo a achar a palavra logística mais feliz, porque traduz tudo. Aliás os militares não mudaram, continuam a chamar logística, porque é mais vasto do que supply chain.
Como é que evoluíram os profissionais do sector?
A evolução exigia formação e por as mãos na massa. Isto deu um salto. Hoje existem cursos em diversas entidades de ensino superior e, com isso, subiu o nível de ensino e de sensibilização da logística. E com isso vemos um nível generalizado de conhecimento superior e permitiu subirem hierarquicamente os níveis profissionais. Por exemplo, o presidente executivo de uma das principais cadeias de hipermercado em Portugal tem todo o seu passado na logística. A logística é essencialmente a ciência do detalhe, composta por diferentes tipos de competências. As operações têm de ser olhadas em todas as suas componentes, daí a diversidade de conhecimento.
Tudo isto leva a que os profissionais da logística sejam, actualmente, pessoas socialmente e dentro da empresa vistas de uma forma completamente diferente. Por mais que se desenvolva a Inteligência artificial ou os processos digitalizados, há pessoas envolvidas e tudo tem de ser desenhado com o envolvimento das pessoas. Desde os que criam, produzem e distribuem os produtos e, acima de tudo, os consumidores, porque não faz sentido desenvolver nada que não tenha em vista o consumidor final. A pressão na melhoria do nível de serviço é crescente. Este é que é o grande desafio dos profissionais sensíveis à matéria da logística, sendo fulcrais não estão na ribalta. Mas não é desmotivador porque quem tem de se dedicar a criar a logística tem em si a preocupação e a satisfação do serviço.
Quanto à música. Ainda canta?
Claro. Já estamos a preparar concertos para outubro e novembro. Estamos com 45 membros ativos e é um coro que existe desde 1941, sem interrupção de atividade.
Tendo estando à frente de grandes empresas como é que consegue conciliar com os ensaios?
Qualquer profissional tem de ter uma escapatória que nos possibilita ter um intervalo e permitir regressarmos com mais força. Apesar de se tratar de um hobbie deve ser regido pelos mesmos valores, rigor e disciplina. No fundo estamos ali numa mini operação de logística com o intuito de entregar um nível de serviço eficaz. Optei por uma atividade coletiva porque, de certa maneira, ajuda-me a movimentar na perspetiva da coordenação e dos compromissos, para além da gestão, enquanto presidente do coro há mais de 10 anos.
E agora?
Nos últimos 14 anos estive a presidir o IPQ. A minha caraterística é introduzir sempre, mesmo em institutos públicos, o cunho da gestão privada. Não tenho pejo nenhum em dizer que tendo estado 17 anos na Sonae sinto-me um homem da Sonae. Pelo espírito, pela forma de trabalhar, do empreendedorismo, sem ser capitalista, procuro imprimi-lo nos sítios onde estou mesmo que seja na administração pública. Fui vítima da lei que existe de obrigatoriedade de não poder ter vínculo público depois dos 70 anos e, por isso, tive de abandonar a presidência do IAPMEI. Agora estou a presidir o conselho de administração do Centro Tecnológico da Cerâmica e do Vidro. Está a ser uma experiência muito interessante. Procuro trazer o meu conhecimento de uma forma não executiva, mas para a orientação da estratégia e os grandes projetos. Está a ser muito interessante. A sede é em Coimbra. Vou lá de 15 em 15 dias, mas estou em contacto permanente. Hoje em dia, com os meios de comunicação estamos sempre em rede.
Artigo completo na edição nº 167 da revista Logística Moderna