A imagem dos líderes políticos e empresariais que diariamente nos é servida pela comunicação é invariavelmente de indivíduos extrovertidos, comunicativos, seguros de si, transpirando confiança, sempre com resposta para todas as questões. É natural que assim seja: é esse o comportamento deles esperado de acordo com as normas sociais em que vivemos. Assim, sujeitos à pressão mediática, desdobram-se em entrevistas, marcam presença em eventos, comportam-se como influencers nas redes sociais.
Em culturas como a nossa, a preponderância desta imagem do líder de topo tem uma causa profunda, sobre a qual já aqui escrevi: a crença de que o sucesso de uma organização depende das capacidades excecionais de um ou, vá lá, de uma minoria de “iluminados”, e que consequentemente isso legitima o monopólio do poder por essa minoria. Tais capacidades – domínio dos problemas, energia, ambição, autoconfiança, capacidade de comunicação… – têm por isso de ser abundantemente exibidas para legitimar o exercício do poder.
Como não pode deixar de ser, as organizações – empresas, partidos, coletividade – comportam-se de acordo com estas normas e perpetuam a seleção de indivíduos com estas caraterísticas para posições de chefia nos diversos níveis. (Atente-se como esta preferência é um fator de discriminação contra as mulheres, condicionadas pelas mesmas normas a serem mais discretas e menos exuberantes na demonstração das suas qualidades). E o exemplo repercute-se do cimo para a base: a promoção a um lugar de chefia significa “chegou a minha vez de dar nas vistas”, e é “dando nas vistas” que se capta a atenção dos decisores, que como é sabido tendem a escolher quem é mais parecido com eles.
Esta visão da liderança tem porém dois problemas. O primeiro é que os líderes extrovertidos e de grande visibilidade são quase sempre personalidades narcísicas, que mesmo involuntariamente põem os seus interesses à frente dos das suas organizações. O seu ego desmesurado impede-os de reconhecer facilmente as suas insuficiências e os seus erros e a persistência nesta atitude tem levado muitas organizações à ruína, com exemplos que todos conhecemos; e como não podem errar, “passam as culpas” para outros e acabam por destruir a imagem que tanto queriam cultivar.
O segundo é que aquelas caraterísticas – energia, ambição, segurança… – não têm de estar associadas a um comportamento exuberante. Pelo contrário, muitos estudos sugerem que os líderes mais eficazes são aqueles que combinam tais qualidades com um comportamento mais discreto e uma atitude de modéstia e humildade. O problema é que a nossa cultura desvaloriza o despretensiosismo e a discrição e associa-os rotineiramente a insegurança, timidez e acomodação.
Pelo contrário, a modéstia e a humildade são valores indispensáveis para enfrentar os problemas atuais com algumas possibilidades de sucesso. A natureza caótica dos acontecimentos, a imprevisibilidade e a complexidade dos desafios tornam ilusória a noção de que basta uma elite esclarecida para lhes responder, e muito menos um indivíduo. No mundo de hoje não há lugar para “líderes heróicos”.
O sucesso, a própria sobrevivência das organizações precisa do contributo de todos. Do trabalho em equipa, da interdependência, da colaboração entre indivíduos com competências complementares e do esforço de compreensão entre mindsets diferentes; nestas circunstâncias, colaborar produtivamente implica aceitar estas diferenças – algo que só é possível se tivermos a humildade de reconhecer que precisamos do outro, do diferente. Enfrentar imprevistos obriga dispersar initiativa e autoridade de decisão por toda a organização – e consequentemente à modéstia de não nos apropriarmos de um êxito que não é apenas nosso e à humildade de não sacurdirmos a nossa parte de responsabilidade.
Como é óbvio, modéstia, humildade e discrição não são incompatíveis com capacidade de decisão, ambição e clareza de propósito, firmeza, perserverança, ou resiliência perante as contrariedades. Estas qualidades falam por si, não precisam de ser promovidas numa feira de vaidades.
Um outro equívoco frequente é de que os líderes mais modestos e recatados tendem a ser mais protetores e menos exigentes, e com isso mais populares. Porém, a liderança não é um concurso de popularidade e para ser eficaz qualquer líder tem de tomar decisões difíceis e frequentemente impopulares; é até mais provável que um líder narcísico hesite em tomá-las, por receio dos danos que isso cause à sua imagem.
Em suma, o líder humilde não renuncia ao exercício do poder, exerce-o de forma diferente. Em vez de o monopolizar convencido da sua superioridade, partilha-o por reconhecer humildemente que há domínios onde outros podem fazê-lo melhor. Vê o poder não como algo que se perde quando se dá, mas sim, pelo contrário, como algo que cresce com a partilha. Por isso, empodera a organização a todos os níveis para que ela difunda e amplifique esse poder por todas as suas estruturas e em proveito de todos.
Como alguém terá dito, “se queremos que o poder seja usado para o bem, precisamos de ter mais pessoas de bem a exercer o poder”. Há porém um pequeno óbice: é preciso que essas pessoas estejam dispostas a aceitar a responsabilidade e a pagar o preço desse poder partilhado.
Mas isso já é outra história…