Num anterior artigo intitulado “O teletrabalho e o isolamento dos chefes” (LM 175) chamei a atenção para a incompatibilidade entre o teletrabalho e a cultura de “presentismo” que ainda impera em muitas organizações, brincando com a hipótese de os propalados receios em relação ao isolamento dos trabalhadores remotos fosse, na realidade, a expressão do temor de solidão dos próprios chefes, Habituados como estão a que “liderar” se reduza a inspecionar o trabalho produzido pelos primeiros – e quanto mais frequentemente melhor, não vá o diabo tecê-las! – veem-se perdidos quando ficam privados da proximidade física dos seus objetos de controlo.
A investigação que tem procurado acompanhar esta migração maciça para o trabalho remoto provocada pela pandemia corroboram esta reação. Um estudo envolvendo mais de 1200 inquiridos em 24 países e divulgado num artigo da Harvard Business Review online revela que um grande número de chefes dizem sentir “dificuldades” no “acompanhamento” dos trabalhadores que se encontram em teletrabalho.
E que dificuldades são essas? Dividem-se essencialmente em duas categorias: (1) falta de confiança nas capacidades nos trabalhadores remotos (36%), e (2) falta de confiança nas próprias capacidades para gerir esses colaboradores (40%).
A palavra chave é evidentemente “confiança”. E a sua falta diz muito sobre os antecedentes das referidas dificuldades. Tenhamos presente que a relação entre os inquiridos e os seus colaboradores vem de trás, não começou no momento em que estes foram trabalhar para casa (ou qualquer outro local. Se durante esse período em que a proximidade física estava assegurada não foram capazes de criar a outra proximidade que verdadeiramente conta – o conhecimento do colaborador e das suas capacidades, o feebaback frequente para o ajudar a melhorar o seu desempenho, a confiança progressiva nas capacidades deste – convenhamos que será mais difícil fazê-lo agora nas novas circunstâncias.
Mas não é impossível, desde que os chefes em questão mudem o seu ‘mindset’ e entendam de uma vez por todas que liderar é muito mais do que têm andado a fazer. Desenvolver este tema a fundo seria impossível no espaço desta coluna, mas aqui ficam algumas ideias:
- Comunicar proativamente. É natural que o trabalhador afastado do seu local habitual de trabalho se sinta por vezes perdido e desnorteado, para mais se está acostumado a que seja o chefe a tomar todas as decisões. Este não pode esperar que isso aconteça; tem de antecipar-se e assegurar-se de que o primeiro tem uma ideia clara do que se espera dele. Tem de ser ele a tomar a iniciativa do contacto, em vez de esperar pelo pedido de ajuda.
- Fixar objetivos em vez de inspecionar resultados. Já que toma a iniciativa do contacto, o chefe deve fazê-lo em primeiro lugar para dar orientações claras, e mostrar confiança na capacidade do colaborador para as cumprir; é surpreendente a quantidade de falhas e correções que conseguem evitar-se com objetivos límpidos e indicações e sugestões sobre como os atingir.
- Relacionar a atividade com a missão da empresa. A clareza e transparência dos objetivos aumenta quando o colaborador conhece a sua razão – o “porquê” por trás do “quê”. Em que é que eles contribuem para o êxito da equipa? Para a eficiência de um processo? Para a satisfação do cliente? Para o crescimento do negócio?
- Tratar o colaborador como membro de uma equipa. Afunilar toda a comunicação no chefe nunca é uma boa ideia; pelo contrário, incentivar o contacto remoto entre colegas é uma forma de mitigar os constrangimentos impostos pelo teletrabalho. Organizar o trabalho em pares de colaboradores que se apoiem mutuamente não só ajuda a aliviar a carga de comunicação sobre o chefe mas contribui para resultados mais robustos e fiáveis.
Mas não é tudo. O referido estudo revela um outro dado da maior importância: os chefes que reportam ter menor autonomia na sua própria função e um controlo mais apertado por parte do seu superior direto são os que menos confiam nos seus próprios colaboradores e menos confortáveis se sentem com o teletrabalho. Isto indicia a existência de uma “cultura de liderança” nas organizações, que se vai sedimentando através de um processo de aprendizagem social que começa com o exemplo vindo do topo e se propaga pela hierarquia em direção à base: as chefias “aprendem” o que julgam que se espera delas em matéria de liderança observando a forma como os seus próprios chefes se comportam em relação a elas e replicando-a na relação com os que a elas reportam. Se o exemplo vindo de cima é de desconfiança, secretismo, microgestão e censura, em oposição a confiança, livre acesso à informação, orientação a priori e aposta nos pontos fortes, é difícil criticá-los por se comportarem do mesmo modo.
João Paulo Feijoo
Consultor, docente e investigador
Setembro 2020