A Covid-19 veio intensificar e acelerar um conjunto de transformações que já eram percetíveis nalgumas organizações mas tardavam em ser adotadas de forma mais generalizada devido à natural resistência à mudança. O efeito da pandemia foi tornar o status quo mais ameaçador do que o “salto em frente”, fazendo da mudança a única alternativa viável.
Não sabemos ainda se estas mudanças serão duradouras ou acabarão completamente revertidas por um “regresso à normalidade”. O sentimento dominante, contudo, é de que algumas delas encerram mais vantagens do que inconvenientes, e que por isso irão fazer parte de uma “nova normalidade” uma vez ultrapassada a crise sanitária.
Uma destas transformações é a expansão massificada do teletrabalho, que nos leva refletir sobre os desafios que ela coloca às práticas de liderança. Em minha opinião, uma liderança eficaz em ambiente de teletrabalho não difere daquela que deveria ser uma liderança eficaz em contexto presencial – salvo alguns ajustamentos na sua ordem de prioridades, mas não na natureza destas. Se a liderança em contexto presencial já adotava as práticas mais eficazes é, evidentemente, toda uma outra questão.
E que práticas são essas? O líder de uma equipa de trabalho tem de assegurar o alinhamento dos objetivos da equipa com os da organização; de manter a equipa coesa e focalizada nos seus objetivos; de promover o engagement dos seus colaboradores; de velar para que eles tenham a informação necessária para tomarem as melhores decisões no que respeita ao seu trabalho; e de incentivar o seu desenvolvimento.
Não vejo que o teletrabalho elimine alguma destas preocupações, nem vejo outras de natureza radicalmente nova a surgirem por causa dele. Por exemplo, não é por causa do teletrabalho que o líder vai ter de passar a transmitir aos colaboradores a informação de que eles precisam; se ainda não o fazia antes, não estava a fazer um bom trabalho. Da mesma forma, não são as novas circunstâncias que fazem surgir a preocupação com o alinhamento entre a equipa e a organização: sempre devia ter estado presente.
A mudança está, em muitos casos, no reforço de algumas dessas preocupações e das práticas em que se traduzem. Como o espaço não permite tratá-las todas, limitar-me-ei a três exemplos respetivamente sobre o alinhamento, o engagement e o desenvolvimento – de resto, como veremos, interligados.
Em matéria de alinhamento, o líder deve começar pelo “porquê”: porque é que estes nossos objetivos são importantes? Em que é que eles contribuem para o êxito da nossa organização? Se o líder se quedar pelo “quê” e pelo “como”, aquele nexo não fica claro aos olhos da equipa. Em contexto presencial, esta falha pode ser parcialmente compensada pelo ambiente rico em informação informal: os colaboradores captam uma informação ali, outra ideia acolá, e acabam por entender de forma mais ou menos correta a razão de ser do seu trabalho. As condições de isolamento impostas pelo teletrabalho dificultam a comunicação informal, por isso o líder tem de insistir de forma mais explícita e mais frequente na relação entre os objetivos da equipa e o sucesso da organização.
O engagement dos colaboradores é reforçado por fatores como a clareza de objetivos (já tratada no alinhamento), o feedback que ajude a melhorar o desempenho, o apoio dos colegas de equipa, e as oportunidades de desenvolvimento (que abordaremos a seguir).
O feedback sempre foi um problema na nossa cultura de gestão: somos tradicionalmente de crítica fácil e elogio difícil, e sobretudo parecemos pensar que o colaborador tem obrigação de descobrir sozinho como melhorar. O elogio, a crítica construtiva e o feedforward (as oportunidades de melhoria), já tão importantes e tão negligenciados no contexto presencial, são-no ainda mais quando a ligação entre o trabalhador e a organização fica afunilada no seu líder. Agora, tem de contactar frequentemente todos os membros da sua equipa – não “para saber como vão as coisas”, mas com uma conversa concreta e estruturada sobre o desempenho de cada um, os próximos passos que projeta dar, e as expectativas de ambos em relação a estes.
O distanciamento físico e o afunilamento da comunicação na pessoa do líder reduzem a entreajuda no seio da equipa. Este afunilamento é um erro, tal como já o teria sido em contexto presencial. É importante que os colegas possam contactar livremente uns com os outros, de um para um, em vez de reduzir a comunicação entre eles a videoconferências “plenárias” em que tipicamente ouvem o líder, fazem perguntas ao líder ou respondem ao líder, mas não conversam verdadeiramente entre si.
Por fim, ambos os fatores – feedback construtivo e apoio dos colegas – são essenciais para o desenvolvimento do trabalhador. Uns bons 80% do que ele aprende resultam da experiência no exercício das funções e da interação com os colegas. Ora, a aprendizagem pela experiência deve ser orientada nas “conversas frequentes” que o líder deve manter com o colaborador; se estas já são tragicamente raras em ambiente presencial, a sua raridade em teletrabalho só irá amplificar a tragédia. O isolamento do trabalhador cria também enormes barreiras à sua aprendizagem com os colegas. Em teletrabalho, tem sentido institucionalizar práticas como os “círculos de partilha de conhecimento”, ou a disciplina de ensinar alguma coisa a algum colega todas as semanas. Mas até que ponto isto já era feito em contexto presencial?
As organizações e os líderes que já adotavam práticas de excelência no “antigo normal” não terão dificuldade em adaptar-se e ganharão uma enorme vantagem competitiva. Os que ainda não o faziam… têm agora uma nova oportunidade que não podem falhar – porque também aqui a mudança é preferível ao status quo.
João Paulo Feijoo
Consultor, docente e investigador