Shipping e o Sector Marítimo-Portuário

Escrever sobre o Shipping e o Sector Marítimo-Portuário nos dias que correm é, não só, um exercício muito falível, como se tornou num verdadeiro quebra-cabeças face ao enorme grau de incerteza e a imprevisibilidade de uma ordem mundial que todos os dias nos surpreende com novos dados e situações que por si só têm fortes implicações no comércio e rotas à volta do mundo.

Se num passado recente era possível construir modelos estratégicos de desenvolvimento para 5 ou 10 anos, ainda que com 2 ou 3 cenários alternativos, a verdade é que durante o COVID a situação se alterou e não mais deixou de se ir alterando até aos dias de hoje.

A gestão contingencial passou a ter um peso maior no dia a dia das empresas e dos negócios premiando aquelas mais bem-dotadas de meios humanos (dando como adquirido que do ponto de vista tecnológico todas se equivalem) capazes de preverem com maior acerto ou de reagirem aos acontecimentos exteriores no menor espaço de tempo.

Com efeito, fruto de diversos acontecimentos, o shipping alterou-se significativamente nestes últimos anos e foi sofrendo altos e baixos que praticamente ninguém previa. Estas oscilações originaram situações de game changing, que romperam com a normalidade vivida, até então, no Sector na qual todos os actores desempenhavam um papel mais ou menos estável.

O desequilíbrio dos fluxos comerciais durante o COVID criou tais rupturas e fissuras nos serviços das maiores linhas de navegação (deep sea) que, rapidamente, se propagou às linhas de short sea acabando com a fiabilidade das cadeias logísticas e reduzindo o prazo de entregas a mero “wishful thinking”. Em consequência os fretes marítimos subiram vertiginosamente e os armadores, que nunca haviam ganho tanto dinheiro, rapidamente investiram os seus lucros na construção de novos navios, sendo que os mais poderosos não se ficaram por aqui, comprando praticamente tudo o que se “mexia” no mercado (aviões, combóis, transitários, operadores logísticos, etc).

Quando todos esperavam que a entrada no mercado de maior oferta (mais e novos navios) e a regularização dos fluxos desequilibrados no período COVID trouxessem os fretes outra vez para níveis muito baixos (o que veio a acontecer por um período muito curto) outros acontecimentos, com repercussão mundial, vieram dar novo folego à alta dos fretes e ganhos máximos dos armadores. Assim a situação de terrorismo no Médio Oriente, sobretudo no golfo arábico, impedindo que os navios cruzassem o canal do Suez, “empurrando-os” para a rota do Cabo, veio absorver o excesso de capacidade de oferta que se começava a verificar mantendo os fretes marítimos em alta possibilitando aos armadores globais novamente ganhos “estratosféricos” no primeiro e segundo semestre de 2024.

Chegados aos dias de hoje, com a guerra na Ucrânia sem fim à vista, a situação no Médio Oriente a agravar-se e a expandir-se definitivamente agora também para o Líbano, ao qual se junta a enorme incerteza do resultado das eleições americanas em Novembro e o recrudescer de políticas proteccionistas, as dúvidas quanto ao futuro são enormes e também preocupantes para todos os que vivem dos seus negócios na cadeia logística.

No entanto, e resultado de um enorme poder de adaptação, resiliência e instinto de sobrevivência, tudo indica que a maioria das empresas que constituem o Sector podem abanar, mas acabarão por ultrapassar as contrariedades fazendo uso das oportunidades que surgirão.

Se por um lado a feroz concorrência por parte dos armadores globais que, fruto dos enormes ganhos dos últimos anos, verticalizaram e horizontalizaram a sua esfera de actuação no mercado global vai deixando cada vez menor espaço aos comuns mortais (as nossa pequenas e médias empresas), por outro a “passagem” pelo Cabo de novos e maiores volumes de carga favorece os nossos portos e pode criar oportunidades. A deslocalização da produção para mais perto do consumo (base do near shoring) é também uma oportunidade crescente para o nosso País e consequentemente para as cadeias logísticas que formos capazes de construir neste nosso rectângulo.

Finalizo concluindo que claro que não está nas nossas mãos alterar a ordem mundial, mas está seguramente nos nossos olhos vislumbrar as oportunidades antes que outros o façam. Para tal não basta estar preparado em tecnologia e meios humanos. Precisamos também perceber que a paz social, o desburocratizar das Entidades e serviços públicos, a eficiência e a eficácia, não são unicamente uma necessidade. São sim um imperativo.

 

António Belmar da Costa

Director Executivo da AGEPOR

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