Irão os robôs tirar-nos o ganha-pão?
O receio de que a inteligência artificial e a automação possam substituir o trabalho humano e destruir empregos numa larguíssima escala tornou-se uma das preocupações definidoras da segunda década do século XXI.
Este receio foi muito amplificado pela comunicação social, sobretudo a partir de um célebre artigo publicado em 2013 por dois investigadores da Universidade de Oxford, Carl Benedikt Frey e Michael Osborne, supostamente prevendo que no prazo de uma década (ou seja, em 2023), 47% dos empregos humanos iriam desaparecer.
Na realidade, o artigo afirma algo bem diferente. O objeto da referida investigação não era cada emprego como um todo, mas sim as atividades em que este se decompõe; desta análise mais fina, os autores concluíram que em 47% dos empregos pelo menos algumas daquelas atividades seriam automatizadas, mas raramente todas ou quase todas. Estudos posteriores estimaram que o número de empregos quase totalmente automatizáveis seria inferior a 5%, embora 30% das atividades pudessem ser automatizáveis em cerca de 60% dos empregos.
Entretanto, já só faltam 2 anos para 2023, e numa projeção apontada para 2022 o Forum Económico Mundial estima que até 2022 a automação e a inteligência artificial terão eliminado uns 75 milhões de postos de trabalho, mas criado em contrapartida 133 milhões de novos empregos – um saldo positivo de 58 milhões!
A transformação do trabalho
Tão ou mais interessantes do que este crescimento líquido do emprego são as alterações que a automação e a inteligência artificial estão a introduzir no perfil dos empregos.
Uma consequência é a valorização das atividades intelectualmente mais estimulantes, pois as atividades substituídas pela automação e pelos algoritmos são sempre as mais repetitivas, as mais burocráticas e de menor valor acrescentado – como a captura de dados, o preenchimento de formulários e outras afins – centrando os trabalhadores naquelas que verdadeiramente fazem a diferença. Por exemplo, nalguns hospitais americanos, o pessoal de enfermagem é coadjuvado por um robô chamado Moxi que se encarrega trazer medicamentos e consumíveis dos dispensários e de levar de volta roupas sujas, resíduos, etc. Graças ao Moxi, os enfermeiros podem passar mais 30% do seu tempo junto aos pacientes, cuidando deles física e psicologicamente.
Noutros casos, a inteligência artificial multiplica a capacidade e a produtividade do trabalhador humano por várias ordens de grandeza, quer se trate de um motorista de distribuição que otimiza o seu tempo graças a uma aplicação que lhe sugere os melhores itinerários, quer do médico imagiologista que com a ajuda de algoritmos de machine learning consegue processar uma muito maior quantidade de TACs e ressonâncias magnéticas mais depressa e com muito maior fiabilidade no diagnóstico. Em ambos os casos, a automação conduz à potenciação – ou, como dizem os autores de língua inglesa, “automation brings augmentation”.
Que consequências para a liderança?
Ao encarregar-se das atividades mais simples e intelectualmente menos exigentes, a inteligência artificial eleva a exigência das funções e com ela as qualificações necessárias para as exercer. Estes novos postos de trabalho “aumentados” requerem em muito maior grau competências como o pensamento crítico, a resolução de problemas, a criatividade, a inteligência emocional, a capacidade de comunicação e de relacionamento interpessoal, a cooperação no seio de equipas, etc.
Para ajudar os trabalhadores a superar com êxito a transição das antigas para as novas atividades, a liderança tem de reforçar significativamente a sua componente de desenvolvimento: o líder não pode limitar-se a comunicar a estratégia e a negociar objetivos, tem de incentivar e apoiar diretamente as aprendizagens de que os seus colaboradores necessitam para exercer eficazmente as suas funções “aumentadas”.
Simultaneamente, o desenvolvimento destas competências tem como consequência uma maior autonomia destes mesmos colaboradores. Mais capazes, têm maior dificuldade em aceitar uma liderança omnipresente, que os asfixia e os limita na aplicação das suas recém-adquiridas aptidões. Nestas circunstâncias, o bom líder é aquele que delega, que promove o empowerment e que confia, mantendo-se presente na retaguarda para intervir se e quando for necessário.
Em síntese, a inteligência artificial e a automação também transformam e “aumentam” a liderança, dirigindo-a paradoxalmente para aquilo que ela deve ter de mais humano.
João Paulo Feijoo
Consultor, docente e investigador