Antes de mais, diga-se que logística pode ser definida como noção científica ou como processo. Como noção, a logística é a parte da gestão da cadeia de abastecimento que planeia, implementa e controla o fluxo e armazenamento eficiente e económico de matérias-primas, materiais semiacabados e produtos acabados, assim como as informações a eles relativas, desde o ponto de origem até ao ponto de consumo, com o objectivo de satisfazer as necessidades dos clientes e, como processo, é a gestão de fluxos de produtos, de serviços e de informação, entre fornecedores e clientes, de modo a levar até estes nas melhores condições de tempo, lugar e modo, os produtos ou serviços que estes necessitam.
E, se em boa verdade, a Distribuição é um negócio de tostão gerido pela informação, então a logística assume cada vez mais um papel principal e de acentuada relevância, como a ascensão da WalMart à liderança mundial, assente na sua excepcional evolução logística, o comprova. Mas este reconhecimento da importância da logística apenas começou depois da publicação, em 1962, do famoso artigo de Peter Drucker, na revista Fortune, intitulado The Economy’s Dark Continent, e só, de facto, se consagrou após 1985, com a edição do livro Competitive Advantage de Michel Porter.
Desde o início do século XX podemos distinguir várias fases na evolução logística. A primeira decorreu na primeira metade desse século e caracterizou-se por assentar numa economia fundamentalmente agrícola de transporte de produtos do campo para as cidades. A segunda, desde 1940 até aos anos sessenta, muito influenciada pela logística de guerra, acentuou a segmentação do serviço logístico permitindo criar a distribuição física dos produtos como uma área funcional e independente. A terceira durou a década seguinte, num tempo de consolidação da economia industrial e permitiu avançar para a integração da função logística com foco nos seus custos e iniciando a sua abordagem sistémica, isto é, vendo a logística como um todo dinâmico cujos elementos se encontram interligados e se influenciam mutuamente num equilíbrio aceitável entre compensações recíprocas. A quarta fase, na década seguinte, focou-se na satisfação do cliente, no desenvolvimento de novos serviços e na melhoria da produtividade através de uma gestão que poderemos considerar de cariz mais científica. Por fim, até aos dias de hoje, e por influência do livro de Porter atrás referido, entrámos na fase da logística como instrumento de gestão estratégica, como factor de vantagens competitivas e de diferenciação, desafiada pela globalização e pela afirmação, em todo o seu esplendor, das logísticas inversa e verde.
Da logística à rede de abastecimento
Em menos de cem anos, a Logística, de um mero processo de aprovisionamento e distribuição física de produtos, passou para um processo integrado e complexo, quase um fio condutor da economia de influência transversal e de forte impacto na qualidade de produtos e na rentabilidade das empresas. De um processo relativamente simples no passado, a evolução entretanto ocorrida, acrescentou-lhe novos factores de complexidade, tais como, o ambiente e a sustentabilidade, as novas tecnologias, a competitividade, a integração e a compressão dos custos.
Nestas condições, os próprios operadores logísticos tiveram de acompanhar esta evolução passando dos serviços básicos de transporte e armazenamento para os serviços avançados e de valor acrescentado como a gestão de stocks, embalagem e assemblagem e caminha agora para as soluções globais.
Por outro lado, a própria evolução dos negócios gerou uma simbiose entre a logística e o marketing, criando a logística comercial que atende quer às preocupações do marketing de estímulo à procura e de vendas quer à necessidade da logística de satisfazer a procura e fornecer o melhor nível de serviço logístico.
Hoje, o diálogo entre o marketing e a logística nas empresas é permanente e a sua articulação é total. Um nada faz sem o outro. Hoje, há que possuir da logística uma visão atual, expandida e holística, encarando-a como uma filosofia, uma atividade e um processo de gestão da oferta e da procura ao longo de toda a cadeia de abastecimento, ou melhor, da rede de abastecimento, considerando-se esta, um conjunto de organizações autónomas mas interligadas e interdependentes, que trabalham em cooptição ou em cooperação, para controlar, gerir e melhorar os fluxos de materiais e de informação, desde os fornecedores até aos clientes finais.
Só desta forma, a logística poderá acompanhar as exigências dos dias de hoje que alteraram radicalmente a natureza e ciclo das encomendas, antes estáveis e previsíveis mas agora variáveis, de pequenas quantidades e de entregas diárias; a natureza dos serviços, antes reativos e rígidos e agora pró-ativos e flexíveis; a natureza da procura, antes estável mas agora cíclica; a natureza dos destinos, antes concentrados e agora dispersos. Só assim a logística poderá enfrentar com sucesso os atuais desafios da logística inversa e da logística verde, ou seja, o total controlo dos fluxos de produtos e de informação, desde o ponto de consumo até ao ponto de origem, com o objectivo de recuperar valor e contribuir para a sustentabilidade.
O espectro de factores que exigem a logística inversa é múltiplo e variado, indo desde as devoluções provenientes de produtos avariados ou danificados, de inventários sazonais, de excessos de stock, de retiradas de produtos do mercado ou de vendas à consignação até à recolha para reutilização de materiais de transporte tais como paletes, caixas ou contentores. E, na fronteira ou no cruzamento com a logística verde, podemos incluir ainda na logística inversa a recolha de resíduos de embalagem, de resíduos perigosos, de produtos eléctricos e electrónicos obsoletos ou de subprodutos de origem animal.
O impacto da logística inversa e da logística verde nas empresas, como facilmente se percebe, é brutal e incide sobre importantes áreas da atividade empresarial, nomeadamente, a económica ou financeira, a tecnológica/inovação, o marketing, a sustentabilidade e a responsabilidade social. Por tudo isto, as empresas de distribuição têm vindo a chamar a si o controlo total dos processos logísticos, através da centralização desses serviços em estruturas próprias (entrepostos) que recepcionam os produtos dos fornecedores e os reenviam para os respectivos pontos de venda recorrendo à utilização de operadores logísticos, geralmente contratados em sistema de outsourcing, para as fases de transporte e entrega capilar dos produtos. E que dizer do e.commerce que, no fundo, é cem por cento logística?
José António Rousseau
Docente e investigador na UNIDCOM/IADE/IPAM
www.rousseau.com.pt
Este artigo foi publicado na revista Logística Moderna, na edição de Setembro/Outubro de 2019