Com a crise pandémica do Covid-19, a procura pela compra através de plataformas online explodiu e tal explosão desencadeou efeitos perversos nas cadeias de abastecimento mal preparadas para uma tal avalanche de procura. Esta situação tornou imperativo que os retalhistas criassem equipas de gestão de crise, para considerar os cenários que poderiam ser desenvolvidos dentro e fora da empresa e, envolvendo os colaboradores, poderem tomar as decisões que se impusessem, desenvolver as ações consideradas essenciais e adaptar os seus negócios para fazer frente à incerteza do próximo futuro.
Neste sentido, e face a este novo normal e ao seu próprio futuro, foi essencial que os distribuidores levassem muito a sério as seguintes ações:
A Gestão do Aprovisionamento, de forma a garantirem a clientes ou consumidores finais a disponibilidade, pelo maior tempo possível, de todos os produtos dos seus sortidos, com particular realce para aqueles de primeira necessidade ou de maior risco de escassez; A Gestão da confiança, uma vez que, à medida que as restrições apertavam, assim a procura iria diminuir e os retalhistas teriam de se concentrar no básico e essencial, gerindo os custos de curto prazo e otimizando os preços, de modo a darem aos consumidores razões para voltar aos seus estabelecimentos; A Gestão dos Recursos humanos, porque aos retalhistas se exigiu a tomada de decisões difíceis, sobre quais as atividades, lojas e canais se deveriam manter e quais deveriam ser suspensas ou fechadas. Além disso, num ambiente de menor procura, poderiam ser tentados a optar por aplicar maiores descontos, o que poderá afetar o futuro do negócio, se tal política promocional não for consistente, controlada e inteligente; A Gestão do Futuro, uma vez que os retalhistas teriam que considerar a forma como o Covid-19 impactaria os hábitos de consumo no período pós-crise, pelo que deveriam olhar para fora da empresa, analisar e prever esse impacto e prepararem-se para as mudanças; A Gestão Omnicanal, ou seja, os retalhistas deveriam aplicar modelos métricos que permitissem avaliar, em cada canal físico ou virtual, a evolução da procura, a capacidade de oferta de serviços completos ou parciais, de acordo com a disponibilidade dos seus colaboradores e a capacidade dos seus meios e efetivos logísticos, com a localização, a sua tipologia de clientes e a sua capacidade de abastecimento. Neste sentido, e apesar da dificuldade de tal decisão, poderia até ser necessário trabalhar em conjunto com a concorrência, num cenário de cooptição, para garantir a continuidade do abastecimento, garantindo a existência de, pelo menos, um estabelecimento em cada área.
Mas, no Pós-Covid, as empresas terão de continuar a flexibilizar as suas estratégias e aumentar a sua capacidade de adaptação e transformação dos seus modelos de negócios, procurando antecipar-se através de uma visão holística e uma análise preditiva da sua capacidade de reação e de liderança na tomada das decisões. Para tal deverão aumentar ao seu reconhecimento publico e a perceção da sua relevância através do seu maior envolvimento com a sociedade, de uma comunicação autêntica e transparente. Em termos mais concretos, as empresas retalhistas terão de reajustar a sua oferta, continuará o imperativo dos descontos e promoções agressivas, haverá maior proximidade e sustentabilidade, utilização de novos meios de pagamento e maior utilização das tecnologias, maior preocupação com a higienização do consumo, e provavelmente, assistiremos também a mudanças em padrões de consumo com redução das compras por impulso.
Pelo lado dos consumidores, estes irão aumentar a sua consciência pessoal, a sua digitalização, os processos alternativos de desintermediação e terão de procurar novos equilíbrios entre três planos distintos, nomeadamente, o racional, o emocional e o social.
É verdade que produto, preço e localização foram desde sempre os principais fatores determinantes da diferenciação e do sucesso do retalho, contudo, nos últimos anos, as regras de diferenciação mudaram drasticamente. Os retalhistas sabem hoje que as lojas representam uma variedade de funções diferentes servindo como um centro de experiência e de realização e todos aqueles que entendem os seus clientes, lhes fazem as perguntas certas e usam os dados por eles fornecidos para tornar as compras mais simples, fáceis e confiáveis, terão mais hipóteses de vencer. Mas, para tal, os retalhistas devem garantir para o futuro pós-covid que as suas organizações estejam alinhadas com as necessidades e desejos, porventura ocultos, do “shopper”, ou seja, compreendê-los empaticamente em todos os canais, conectando-se com eles de maneira relevante e mantendo o foco no fornecimento de uma experiência de loja positiva e implacável. O resultado? O Santo Graal do retalho: lealdade incondicional.
De uma forma simples, as lojas devem, por exemplo, criar uma atmosfera sensorial que envolva os consumidores através dos seus cinco sentidos, encenar a apresentação dos seus produtos, personalizando a experiência de compra, treinando bem a equipa de colaboradores e, sempre que possível, introduzindo elementos-surpresa que o consumidor não esteja à espera.
Uma proposta de valor acrescentado para os consumidores reveste hoje uma natureza bipolar onde, nos extremos opostos do espectro de valor encontramos, por um lado, a conveniência e os preços baixos e por outro, a exclusividade e a experiência inesquecível. Os retalhistas que não sejam uma coisa nem outra, situados no “meio-termo”, só não estarão já condenados se conseguirem assumir os seus valores, criar a sua história, cumprir a promessa da sua marca de modo a se conectarem com os consumidores e serem por estes também valorizados. Não podemos esquecer que, para a maior parte dos retalhistas, os valores ou a cultura de marca nunca foram uma prioridade ou preocupação, na medida em que nas últimas décadas quase bastava aos retalhistas para gerarem vendas, estarem presentes no mercado e manterem as portas abertas.
Cada vez tenho mais a convicção que uma insígnia retalhista não pode ser esculpida na pedra porque como marcas que também são, necessitam de se reinventar constantemente para manter sempre os seus clientes fascinados e fidelizados. Durante décadas, os retalhistas usaram a publicidade como ponto de partida e as lojas físicas como ponto de chegada para a venda, mas no futuro, as lojas físicas serão, fundamentalmente, pontos de contacto na relação com os consumidores. Sabemos que as expectativas dos consumidores mudaram drasticamente pelo que encantar os clientes significa ir além das suas expectativas, sendo isso exatamente o que os consumidores consideram ser uma experiência digna desse nome. Mas para atingir este objetivo o retalho terá de ser um misto de arte e de ciência e de se reinventar assumindo o imperativo da transformação digital. Pesquisar e experimentar novos conceitos não é mais uma opção dos retalhistas, mas um verdadeiro imperativo categórico.
José António Rousseau
www.rousseau.com.pt