Em entrevista à Logística Moderna, Paolo Bisogni, Presidente da ELA (European Logistics Association), fala do comportamento das supply chain perante a pandemia de covid-19 e da necessidade de investir em formação e em «stocks estratégicos», como forma de lidar com situações inesperadas. O responsável aborda ainda os problemas que advêm do facto das empresas ocidentais transferirem a maior parte do seu procurement para a China e outros países do Sudeste Asiático.
Logística Moderna – De um ponto de vista logístico a Europa e o mundo estavam preparados para a pandemia?
Paolo Bisogni – Generalizando, ninguém estava verdadeiramente preparado para enfrentar uma pandemia. Essa é a primeira lição a tirar. Os governos nacionais e regionais não tinham planos para este tipo de contingência; consequentemente ninguém tinha formação completa, não havia stocks estratégicos de dispositivos médicos; não havia orientações comuns a todos os países da UE. No entanto, as supply chains europeias reagiram melhor que outros sectores, provavelmente por causa da flexibilidade que é inerente à logística e às competências dos gestores da cadeia de abastecimento.
Nesta crise tornou-se óbvio que os governos e as empresas não tinham planos de contingência para um evento destas proporções. O que pode ser feito para evitar que isto volte a acontecer?
Formação, formação e formação. Não podemos partir do pressuposto que os desastres naturais não vão acontecer. Deve investir-se dinheiro para se poder ter stocks estratégicos. Deve investir-se tempo e recursos a formar as pessoas que vão estar na linha da frente.
Mesmo com as medidas que foram tomadas durante a crise, uma rota rodoviária que normalmente demorava 24 horas podia levar até 3 dias. Em muitos casos devido a informação deficiente e falta de coordenação entre os diferentes países. As coisas poderiam ter sido feitas de melhor forma?
Isso aconteceu nos primeiros dias da pandemia. A Comissão Europeia foi bastante rápida a reagir, tomando as medidas para garantir que os bens pudessem circular livremente pelos estados membros.
Um dos problemas que a economia global enfrentava era o do off-shoring. As supply chains muito longas que isso implicou, originou uma situação logística em que muitas coisas podiam correr mal e acabaram por correr. Pior, muito do off-shoring estava centrado na República Popular da China, ou seja, os ovos foram todos colocados no mesmo cesto! Pensa que esta situação merece uma reflexão por parte de todos os participantes dessas supply chains?
Na realidade esses são os dois principais problemas que vieram claramente ao de cima na crise do covid-19: uma única fonte de sourcing e o off-shoring.
As empresas ocidentais transferiram a maior parte do seu procurement para a China e outros países do Sudeste Asiático como forma de reduzir os custos directos e para poderem beneficiar de mão-de-obra barata. Isto deu origem a vários problemas.
Primeiro, a Europa perdeu a capacidade de produzir muitas categorias de produtos. Uma vez perdida a capacidade, é demorado voltar a recuperar essa capacidade.
Segundo, alavancar economias de escala como é sugerido na pergunta, implica colocar todos os ovos no mesmo cesto. Isso aumenta os riscos de forma desproporcionada. Estamos efectivamente num momento em que temos de reconsiderar as políticas de sourcing e de produção off-shore.
O multishoring é menos arriscado. A automação é uma maneira de reduzir os custos da mão-de-obra sem expor as empresas aos riscos antes mencionados e ao mesmo tempo é uma forma de reter e desenvolver know-how.
Se os departamentos de procurement começarem a considerar estes problemas na sua análise de risco, quanto tempo será necessário para a situação melhorar? De um ponto de vista prático qual é a resposta de curto prazo ao “Made in PRC”?
Na minha opinião a automação é a resposta. Mas isto exige tempo para levar a cabo a reengenharia necessária e para conseguir colocar as soluções no terreno. As decisões não podem ser tomadas com base apenas na gestão do risco. Os líderes têm de recorrer mais à inteligência intuitiva que é uma competência preciosa.
Algumas supply chains foram mais afectadas que outras, tivemos problemas significativos na área farmacêutica, na electrónica e no sector automotive. No entanto estas supply chains antes da crise eram consideradas bons exemplos na gestão do risco. Como é que isso foi possível? Acha que vamos aprender com os erros?
A forma como o risco tem sido avaliado provavelmente vai ter de ser revisto e repensado. Corremos o risco (trocadilho intencional) de esperarmos que o risco venha de onde gostaríamos que ele estivesse, e não de onde ele vem.
Como é que a ELA e as associações nacionais de logística podem ajudar a estabelecer orientações que possam ajudar a mitigar estes problemas no futuro?
A ELA publicou uma declaração publica sobre o impacto económico da pandemia e vai continuar a fazê-lo, como forma de contribuir para chamar à atenção dos decisores políticos e dos gestores para estes problemas.
Artigo publicado na edição nº 174 da Logística Moderna (descarregar versão online em www.logisticamoderna.com)