A Logística na Indústria Automóvel

Sendo o automóvel um elemento tão presente nas nossas vidas, já alguma vez nos teremos questionado acerca do número de partes e peças que são necessários para o construir? Os números poderão variar entre os vários modelos mas, em termos médios, estaremos a falar de cerca de 30 mil componentes!.. Desde o mais pequeno parafuso do farolim, passando pelo motor, pela cablagem elétrica, até chegar à mala do porta-bagagens ou à placa da matrícula. Partindo deste número redondo, conseguiremos agora imaginar como se organizará toda a rede logística para fazer chegar just in time à fábrica todos estes milhares de componentes? E de quantos países serão provenientes? E quantos quilómetros terá percorrido cada uma dessas pequenas partes até chegar à montagem final? Enquanto pensamos nestas questões, a viatura já estará construída e a sair da fábrica. Agora, será necessário colocá-la no mercado, desde os centros de produção até ao destino final, ou seja, o concessionário do seu bairro.

Serve este pequeno exercício introdutório para ilustrar a complexidade da rede logística que está por detrás de toda a cadeia global de abastecimento e distribuição desta importante indústria. De facto, a indústria automóvel e a logística andam de mãos dadas e esta relação está para durar, porque o que afeta uma terá consequências na outra, e vice-versa. Devemos, no entanto, sublinhar que, no contexto atual de fragmentação económica e de transição energética e digital, esta relação está a ser posta à prova, mais do que nunca.

Os desafios entre a indústria automóvel e a logística são multifacetados, envolvendo gestão da cadeia de valor, controle de custos, integração tecnológica, conformidade regulatória e resposta às variações da procura, entre outros. Ambos os setores devem adaptar-se continuamente à forte exigência das dinâmicas globais em constante mudança, e uma colaboração efetiva entre os dois é fundamental para garantir operações previsíveis, que dificilmente se alcançam num mundo cada vez mais rápido, dinâmico e disruptivo.

Já havíamos observado uma prova de fogo na consolidação deste binómio com os efeitos resultantes da pandemia, e com a crise dos chips, que provocaram fortes disrupções na cadeia de fornecimentos, com paragens críticas nas linhas de produção. Logo de seguida, surgiu a instabilidade no fornecimento de aço e alumínio decorrentes de imposições tarifárias dos EUA, e que acabaram por ter um efeito dominó no custo dos produtos transformados com estas matérias-primas. No que respeita a estas, observamos também fortes constrangimentos no fornecimento de matérias raras necessárias ao processo de eletrificação em curso.

Neste ponto, e no âmbito do contexto europeu, observamos apreensivamente o atraso da europa na transição de paradigma industrial, com custos de produção inflacionados pelos conflitos na Ucrânia, com abrandamento acentuado na procura de carros elétricos, e com um processo de descarbonização altamente desafiante para a mudança das frotas logísticas a operar dentro de um quadro regulatório exigente da União Europeia.

Como se não bastasse, e no âmbito da geopolítica internacional, temos a confirmação das barreiras alfandegárias por parte dos EUA, com desequilíbrios nas regras do comércio internacional e, de forma contundente, temos a ascensão da China como líder da produção automóvel mundial, criando ela própria o seu ecossistema logístico, com fortes investimentos mundiais em infraestruturas portuárias e, até, criando as suas próprias linhas de escoamento logístico, como ilustra o recente caso da BYD que investiu na criação da sua própria frota de transporte marítimo.

Este último exemplo servirá para recordar um importante ensinamento proveniente da estratégia militar que nos diz que “é através da logística que se ganham as guerras” – no caso do contexto nacional, deveríamos colocar alguma atenção neste ensinamento. A produção nacional de componentes para a indústria automóvel tem um percurso de assinalável êxito, as empresas cresceram e tornaram-se competitivas e focaram-se no mercado europeu. A vocação deste cluster é claramente exportadora, o que impõe escolher um caminho de competitividade com os seus concorrentes europeus.

Em Portugal, a logística desempenha um papel crítico na estratégia de competitividade dentro do espaço europeu e, ainda que se tenham verificado importantes investimentos na modernização de infraestruturas como portos, estradas e ferrovias, ainda subsistem lacunas que limitam o potencial logístico do país e, por conseguinte, a colocação competitiva dos nossos produtos nos centros de produção da europa. A integração ferroviária é limitada resultando numa conexão insuficiente para o transporte de mercadorias para o resto do continente europeu. A falta de uma bitola europeia compatível reduz a competitividade do transporte ferroviário em relação ao rodoviário, mantendo-se os custos de periferia comparativamente aos restantes estados-membros. Acresce que, a logística sustentável será uma prioridade cada vez mais presente e a pegada ambiental associada ao transporte dos produtos assume maior preponderância na gestão eficiente da cadeia de valor e dos processos de decisão. O que as empresas ganham no chão de fábrica não se pode perder no processo complexo de logística, porque o que está em causa é a competitividade do país.

 

José Couto,
Presidente da AFIA

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