INFLAÇÃO ALIMENTAR: INSUFLAR PROBLEMAS OU CONSTRUIR SOLUÇÕES?

Sei que o tema se está a tornar repetitivo e que os argumentos de discussão se vão repetindo ad nauseam, mas, por estes dias, não é possível contornar a discussão em redor do tema da inflação e, muito especialmente, da inflação dos produtos alimentares.
Apesar de várias outras pessoas e entidades o terem já enunciado, faz sentido lembrar que o temporal inflacionista é global e afecta todos os sectores da economia, mas é também importante chamar a atenção que o timing em que ocorreu e o respectivo grau de exposição, implica que os seus efeitos tenham sido mais visíveis em determinadas áreas, mais cedo no tempo, e que o seu impacto noutras – como no caso dos produtos alimentares – seja mais retardado e, aparentemente, mais longo.
Assim, e para além da base de agravamento de custos que tem traços comuns com todos os sectores, há que chamar a atenção para que estamos perante uma crise essencialmente provocada pela escassez da oferta (e não tanto pela explosão da procura) e geradora de desajustamentos pronunciados entre oferta e procura, que estão paulatinamente a ser corrigidos.
E há a adicionar, desde logo, a dificuldade de abastecimento de matérias-primas e o forte agravamento das cotações internacionais de inúmeras commodities e produtos terminados, das quais Portugal é total ou amplamente dependente, a que se junta o péssimo ano agrícola, que surge na sequência de três anos com sucessivas dificuldades produtivas.
Podemos ainda acrescentar o fortíssimo incremento dos custos logísticos, especialmente no caso dos transportes internacionais, mas também na necessidade de constituir amplos stocks, criar condições adicionais de armazenagem e realizar uma muito importante e nada usual imobilização financeira para permitir a continuidade do abastecimento de mercado, imobilização realizada num cenário de agravamento das taxas de juro. Ou lembrar a brutal subida dos custos com materiais de embalagem e os amplos períodos em que a sua escassez obrigou, até, a importantes alterações nos processos industriais.
A memória das pessoas é relativamente curta e se hoje falamos dos significativos aumentos dos preços dos produtos alimentares e eles sejam iniludíveis, recordemos que há muito poucos meses, o cenário que estava em cima da mesa era a possibilidade de existirem rupturas de abastecimento do mercado e esse tema fazia capa de jornais e era levado para a abertura dos telejornais.
Por isso, mais do que encontrar culpados, que em boa verdade parecem não existir, há que enfrentar o problema, minimizar os seus impactos sobre quem mais está a ser penalizado com os agravamentos de preços e induzir uma aceleração, ainda que com um quadro temporal confinado, dos efeitos de ajustamento, que – apesar de tudo – estão já a ocorrer.
Para isso, há que iniciar o exercício, levando em linha de conta que a inflação tende a sofrer de inércia, é autofágica e é caótica. Não esquecendo que se trata de um problema transnacional – veja-se as movimentações e actuações das autoridades que estão a ocorrer na larga maioria dos países da Europa Ocidental – e que, em face da dependência considerável que temos do exterior na área alimentar (e não só), ele é fortemente impactado pela inflação que nos chega de fora de portas. E deve ser recordado que os custos de aquisição externos são ainda penalizados pela nossa excentricidade geográfica e pela elevada carga fiscal, especialmente em sede de IVA, mas também ao nível dos Impostos Especiais sobre o Consumo.
Sabemos todos que a quebra do poder de compra (não esqueçamos, também alimentada pela baixa reposição dos níveis salariais), o peso que a alimentação tem na carteira das famílias portuguesas e a pressão mediática, em boa medida fomentada pela actuação e comunicação do próprio governo, faz com que haja, neste momento, um quadro de pressão no sentido de exigir actuação por parte do Executivo e das autoridades competentes,
Mas é preciso alguma serenidade, esperar que o mercado funcione e que os desequilíbrios entre uma oferta que está a recuperar e uma procura afectada pela redução do rendimento disponível se corrijam. É preciso discernir e, acima de tudo, não confundir especulação com inflação. É preciso enfrentar a situação, dos ângulos possíveis, atacando a inflação com medidas eficientes e inteligentes, medidas que não promovam o enviesamento do mercado, de que podem ser exemplos, as reduções de IVA, os apoios directos aos consumidores, a redução de custos de contexto, a mais eficaz monitorização de preços ou a pressão sobre os retalhistas para o estabelecimento de medidas de autoregulação e autocontenção
É preciso criar condições, financeiras e a nível de recursos humanos e técnicos, para a implementação efectiva do Observatório de Preços, tal como é preciso aumentar a capacidade de actuação da ASAE, especialmente ao nível económico, de auditoria e jurídico e fazer incidir a intervenção da AdC em matéria de poder de compra, poder de mercado e de eventual abuso de posição dominante.
No fundo, deixar ao mercado o que cabe ao mercado resolver, apostando numa regulação eficiente, mas não intrusiva, reforçando os meios de monitorização e fiscalização e mitigando os efeitos sócio-económicos nos grupos populacionais mais afectados, sendo que o tempo joga a favor da correcção progressiva dos desequilíbrios que hoje verificamos.

Pedro Pimentel
Director Geral Centromarca

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