Dizer que vivemos tempos difíceis ou que o futuro, no que respeita aos transporte e cadeia logística, é muito incerto passou a ser, não só um local comum, como sobretudo tem servido de tema para inúmeros ensaios, previsões, declarações e até queixumes.
Assim não pretendo ser mais um a seguir esse caminho, até porque a única certeza que hoje consigo antecipar a respeito desta problemática é que a nova normalidade que hoje experimentamos, se desviou significativamente do padrão do normal que conhecíamos antes.
Na realidade nestes dois últimos anos o mundo mudou … e mudou muito. Aos efeitos e consequências do COVID veio juntar-se a chaga e o horror da guerra na Ucrânia. Num repente o mundo inteiro deixou de ser tão seguro em termos sanitários e pior a guerra veio despertar a consciência da humanidade para os perigos que todos pensávamos arredados, para já, do nosso horizonte.
Nesta nova normalidade a globalização, em toda a sua extensão, tal como a conhecíamos, acabou. Assim como acabou a inocência e a boa vontade de acreditarmos, com boa-fé, nas intenções dos países e regimes menos transparentes e democráticos.
Neste contexto, se a pandemia veio pôr a nu fragilidades na resposta das cadeias logísticas, quando fortemente pressionadas, o desequilíbrio e distanciamento geográfico entre produção e consumo, e seus efeitos, alertou as consciências para o enorme perigo económico, mas também e sobretudo político do Ocidente estar totalmente dependente da tal fábrica do mundo.
Se isto não bastasse, num ápice, a guerra desencadeada pela Rússia na Ucrânia veio confrontar de forma brutal a Europa com a sua enorme fragilidade e quase total dependência das fontes de energia soviéticas e também dos alimentos (trigo) que tinha como garantidos da Ucrânia.
Nestas condições, e com este cenário, é possível antever que na nova ordem estratégica mundial se continuará a ter, como antigamente, o domínio dos três grandes blocos China, Rússia (e seus satélites) e USA/Europa, mas que as relações entre eles serão não só muito mais tensas e difíceis, como ao nível das trocas comerciais se notará uma clara tendência decrescente. O Ocidente caminhará (já o está a fazer) para uma reindustrialização que diminua a sua exposição da produção de praticamente tudo (produtos acabados e componentes) na China e prosseguirá uma política energética e alimentar que cortará as amarras com as fontes provenientes dos Países não amigos.
Claro que a logística global se terá que adaptar a esta nova ordem e às mudanças na cadeia abastecimento e fornecimento. Produção e consumo estarão mais próximos. É, portanto, não só previsível como seguro que as cadeias logísticas no futuro próximo irão ser menos extensas e mais flexíveis. É expectável um crescimento acentuado dos mercados regionais assente em boas redes de transporte capilar dos produtos (e também serviços). O chamado “near shoring” será uma realidade e os grandes players mundiais do transporte têm vindo a preparar-se para dominar verticalmente as cadeias logísticas. Os investimentos necessários para cumprir as metas da descarbonização total dos transportes irão ser de tal ordem que obrigarão a uma, ainda, maior concentração de capital nas empresas. Este é um contexto que favorece mais os “gigantes” e obrigará os “pequenos” a serem cada vez mais espertos e ousados.
Como sempre haverá ameaças e oportunidades e também como sempre haverá vencedores e vencidos. Tenho a convicção e a certeza que o queijo até vais crescer, mas não vai chegar para todos. Os fretes irão baixar, mas não voltarão no futuro próximo aos níveis de antes da pandemia.
O mundo mudou, a normalidade também, e é importante que todos interiorizemos esse paradigma.
António Belmar da Costa
Director Executivo da AGEPOR