Logística: um compromisso nacional em Portugal

No âmbito da reunião mundial da minha empresa, a Stanton Chase, tive a oportunidade de visitar o Panamá em Outubro do ano passado. O país, a sua economia e a sua “marca” são indissociáveis do seu famoso canal.
Esta fantástica obra logística, construída por iniciativa dos EUA em 1913 (esteve, aliás, sob controlo norte-americano até 1999), é um canal artificial com quase 80km de extensão, que liga o oceano Atlântico (através do mar do Caribe) ao oceano Pacífico. O canal tem sido, ao longo de décadas uma estrutura-chave para o comércio marítimo global. Tive o privilégio de conhecer in loco o Canal (do lado do Pacífico, junto às comportas de Miraflores) e a operação contínua da travessia de navios.
A recente expansão desta mega-estrutura, concluída no verão de 2016, é um grande exemplo de estratégia e liderança ao nível de um país. Numa breve síntese histórica:
1) a realização de um referendo em 2006 para garantir que existiria um consenso neste desígnio nacional (foi aprovado por 75% da população); 2) o esforço tremendo de construção em 9 anos, que envolveu um investimento de 5 mil milhões de dólares e a gestão de uma força de trabalho de 7000 pessoas; 3) uma comunicação transparente e constante para que todo um povo estivesse ciente dos progressos; e 4) como não existem grandes sucessos sem grandes líderes, a liderança férrea de Ilya Espino de Marotta, a engenheira que dirigiu as operações de expansão, considerada hoje uma das mulheres mais influentes da América Central. O resultado deste investimento: uma nova estrutura que permitirá a passagem de navios muito maiores, os designados “post-panamax”, uma actividade de travessia de 14.600 navios/ ano e receitas de 2000 milhões de dólares anuais.
Porquê esta breve história? Para fazer “a ponte” com a realidade portuguesa e a necessidade de, de uma vez por todas, gerarmos sintonia nacional nos nossos projectos logísticos, presentes e futuros. Todos nos lembramos das polémicas de iniciativas como as linhas de TGV, o novo aeroporto de Lisboa ou do plano de plataformas logísticas nacionais – em que questões de cariz económico e técnico foram subalternizadas a um feroz debate político-partidário, com o extremar de posições cujo ruído não permitiu consolidar qualquer opinião clara e objectiva na população portuguesa.
Não tenhamos dúvidas: Portugal deve olhar para a globalização (que é imparável e imune às conjunturais agendas políticas de alguns governos) como uma oportunidade, alavancar a sua estratégia logística e tentar corresponder às variáveis-chave da próxima década: a multi-localização da produção e da distribuição, o alongamento dos fluxos, a multimodalidade e a crescente sofisticação tecnológica/ digitalização do sector. Há que fazer aqui o que fez o Panamá: construir um compromisso nacional entre todos os stakeholders para aproveitar a nossa posição geográfica, potenciar ao máximo as nossas vantagens competitivas e as infra-estruturas já construídas e alicerçar o debate dos futuros investimentos (sejam portuários, aeroportuários, ferroviários, projectos inovadores de mobilidade eléctrica ou outros) numa clareza técnica que permita aos governos tomar decisões racionais e, se for o caso, a população opinar de forma directa sobre as maiores apostas. Teremos assim uma estratégia verdadeiramente nacional e não apenas esforços difusos que, como é sabido, não nos levam a lado algum.
Carlos Sezões Coordenador da Plataforma Portugal Agora (www.portugalagora.com)

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