Desde que começou a ser estudada como variável do comportamento organizacional, a liderança tem sido analisada e dissecada de mil e uma maneiras, e hoje temos uma ideia razoável do que significa liderar e de modo isso pode ser feito. De todo o conhecimento acumulado sobre a liderança, porém, há duas ideias que se destacam das outras e que, nos momentos em que foram propostas, constituíram autênticas revoluções epistemológicas.
Uma dessas ideias é de que não existe nenhum “estilo” de liderança – ou seja, um conjunto de comportamentos – que corresponda a um líder ideal e que se revele como o mais indicado em todas as circunstâncias. A segunda é de que, embora possa ser potenciada por certas predisposições inatas, a liderança pode ser aprendida, isto é, não está reservada a uma elite que “nasceu para ser líder” mas é, pelo contrário acessível ao comum dos mortais.
A primeira noção de que a liderança deve adaptar-se às circunstâncias enfrentadas pelo líder e que este deve possuir a versatilidade e a flexibilidade necessárias para usar, de entre um vasto repertório, os comportamentos mais adequados a uma circunstância específica, parece-nos lógica e natural quando é aplicada a situações concretas. É fácil concordar que um evento imprevisto e ameaçador exige uma liderança mais decisiva e centralizada do que uma situação corrente, que se presta a uma liderança mais deliberativa e participativa, e reconhecer que há muitos outros tipos de circunstâncias que exigem formas de liderança diferentes: a experiência e maturidade da equipa que dirigimos (equipas inexperientes precisam de quem indique o rumo e marque o ritmo, mas em equipas amadurecidas esse tipo de intervenção só iria atrapalhar); o ciclo em que o projeto se encontra (nas fases mais criativas o líder deve “apagar-se”, mas na passagem à concretização faz falta um papel de coordenação); ou o nível de senioridade em que atua (liderar uma equipa diretiva não é o mesmo que liderar uma equipa de operadores de base).
Na realidade, porém, a aceitação de que a liderança é contingente e situacional tarda em impôr-se, a julgar pela fixação na crença de uma “liderança ideal” como mostra a popularidade de imagens divulgadas por exemplo nas redes sociais.
Esta fixação tem provavelmente origem na matriz cultural de cada sociedade e nos valores e convicções profundos que lhe estão na base. Assim, em Portugal, tendemos a valorizar um estilo de liderança mais interventivo, porque como sociedade valorizamos a hierarquia – isto é, que “haja quem mande” – e porque abominamos o risco – e portanto é melhor que sejam outros, os “chefes”, a assumir a responsabilidade – mas também razoavelmente benévolo porque como líderes somos paternalistas e adoramos ser populares.
Este estilo de liderança tende naturalmente a ser assumido com maior facilidade por indivíduos mais extrovertidos e comunicativos, que aparentam maior autoconfiança, o que por sua vez suporta a crença de que se “nasce” líder, pois aquelas caraterísticas são traços personalísticos que, embora não necessariamente inatos, se desenvolvem muito cedo nas nossas vidas. Pela mesma razão, um indivíduo introvertido e indeciso nunca poderia ser um bom líder, o que é evidentemente falso como o comprovam inúmeros casos; aliás, um indivíduo com tais caraterísticas costuma desenvolver competências indispensáveis para liderar, como saber ouvir e ponderar as suas decisões, e tem maior facilidade em delegar e em assumir o papel de “líder-coach” de tão grande importância para fazer crescer os seus colaboradores.
E assim chegamos à segunda ideia, de que a liderança não é um dom mas uma competência que pode ser aprendida: é que o repertório de comportamentos necessários para lidar eficazmente com as múltiplas situações que o líder tem de enfrentar é tão vasto que impede quem quer seja de o possuir na íntegra à nascença. A sua personalidade e as suas predisposições naturais tornar-lhe-ão mais fácil e natural adotar alguns desses comportamentos, mas deixarão sempre de fora uma parte importante do espectro. Essa é a parte que tem de ser aprendida: os comportamentos que nos “saem” menos naturalmente mas dos quais não podemos prescindir se quisermos ser verdadeiros líderes “todo o terreno”.
Em conclusão: nunca acredite que não nasceu para liderar. Descubra o que lhe falta e aprenda a fazê-lo – mas a fazê-lo bem!
João Paulo Feijoo
Consultor, docente e investigador