Portugal recebe centro mundial de supply chain da Nespresso em 2019

Em entrevista à Logística Moderna, Jesus Corcoles, Global Head of Supply Chain da Nespresso, fala em primeira mão sobre a mais recente aposta da Nespresso em Portugal: o centro mundial de supply chain. Com abertura prevista para Abril do próximo ano, este centro operacional e de competências prevê agilizar os processos e identificar as melhores práticas a nível da cadeia de abastecimento.

Logística Moderna – A Nespresso decidiu abrir em Portugal o centro mundial de supply chain. Pode explicar em que é que consiste o projecto?
Jesus Corcoles – Este centro vai tratar do supply, demand planning e dos aspectos físicos da logística, a parte mais operacional da cadeia de abastecimento. Aqui vão ser tratados os aspectos transaccionais e a expedição. As fábricas estão situadas na Suíça e tudo é expedido a partir daqui para os mercados da Nespresso em tudo o mundo. Este novo centro passa a controlar todos os fluxos, isto no caso do café. Em relação às máquinas o processo é idêntico só que o armazém está localizado em Bruxelas, e é a partir desse ponto que são expedidas para todo o mundo.
Mas vamos ter também, uma equipa de oito pessoas que vão desenvolver projectos internacionais, este será também um centro de competências. Por um lado, irá desenhar alterações à cadeia de abastecimento, por outro acompanhar a implementação dessas alterações em todos os mercados, aproveitando simultaneamente para identificar melhores práticas que possam existir em alguns dos centros, codificando-as e disseminando-as por todos os outros. Isto permite trazer inovação aos diferentes mercados e as boas práticas que serão recolhidas dos diferentes centros logísticos.

Será então um centro operacional e um centro de competências?
Operacional, de transacções, de qualquer envio para os diferentes mercados. A base industrial está na Suíça e é composta por três fábricas. Daqui tudo é enviado para os 50 mercados a nível mundial. No caso das máquinas e acessórios estes são despachados a partir de um centro de distribuição na Bélgica, Bruxelas, a partir de onde tudo é expedido, de forma semelhante ao café, para os cerca de 50 mercados internacionais.

O novo Centro Operacional que vai ser sedeado em Portugal vai controlar estes envios para os vários mercados a nível mundial?
Vai controlar todos os fluxos das fábricas para os diferentes mercados. Estamos a falar de 50 mercados a nível global. Falamos em mercados e agentes o que representa 60 a 70 países.

O centro operacional e de competências implica que vai haver um novo modelo organizacional da supply chain da Nespresso?
O modelo de organização da supply chain vai ser diferente no sentido em que a Nespresso é ainda uma empresa jovem, tem 32 anos de actividade. Quando nasceu estávamos todos sedeados em Lausane num escritório, e agora com a dimensão que atingimos vimos que estávamos a misturar actividades operacionais com actividades estratégicas diferentes. Este projecto vai permitir acelerar a parte estratégica que fica na sede, ligando o marketing às vendas para todas as decisões de médio longo prazo, separando-as das actividades operacionais e transaccionais que podem ser estabelecidos em qualquer mercado. Isto vai ter impacto na forma como trabalhamos em conjunto. É também parte da evolução de trabalhar em localizações diferenciadas. Hoje já é possível, através de ferramentas digitais como o skype, trabalhar em equipa independentemente do espaço em que nos encontramos.

Recrutamento já começou

Como é que está a decorrer o processo de selecção dos colaboradores para este projecto? Isto significa 50 novos empregos?
Neste momento, estão a ser selecionados candidatos internos e externos. Queremos fazer um mix de pessoas novas mas também alavancar a experiência interna. Criar um hub de 50 pessoas, implica que estas tenham o conhecimento de como funciona o processo de supply chain da Nespresso. Assim, existirão pessoas que já fazem parte da estrutura que será a base, mas também queremos aproveitar esta oportunidade para trazer novas competências e experiências externas. Podem não ser necessariamente de Portugal. Recebemos candidaturas da Rússia, do Brasil e de várias partes do mundo.

Esta nova equipa, de que competências estamos a falar?
Só supply chain, actividades como demand supply planning, customer service, transporte (marítimo, ferroviário e rodoviário).
A Nespresso, expede imensas paletes por ano para os vários mercados. Entregamos em cerca de 130 OFC – Order Fullfilment Centers (centros de preparação de encomendas). Falo em OFC, porque uma das especificidades da Nespresso é que preparamos encomendas. Não trabalhamos como os centros de distribuição tradicionais que armazenam paletes que são posteriormente enviadas para as lojas de retalho. Na Nespresso preparamos encomendas pois a nossa operação é B2C. Também expedimos algumas paletes para as boutiques Nespresso, mas a maioria da nossa actividade é a preparação de encomendas.

Quando é que o Centro vai estar operacional?
O nosso objectivo é dia 1 de Abril de 2019. Vai haver um período de transição entre a actual equipa e o novo centro no primeiro trimestre de 2019, é por essa razão que estamos a acelerar o processo de recrutamento, para podermos fazer a formação e a passagem no primeiro trimestre. A operação neste momento está na Suíça e será feito um phase in no primeiro trimestre e um phase out no segundo trimestre de 2019.

Os OFC são independentes?
Não são independentes, são parte integrante da supply chain global da Nespresso. Em cada mercado temos um head of Supply chain, que é responsável pela supply chain do seu mercado, mas que responde perante o market head global, e que vai responder em termos funcionais a este novo centro mundial de supply chain. Estamos organizados segundo um modelo de push, os OFC enviam o seu planeamento de demand planning e nós monitorizamos centralmente o seu nível de inventário e podemos decidir empurrar (push) mais ou menos inventário para que estes tenham as quantidades de inventário que achamos que são as mais adequadas, é uma supply chain end to end. Temos total visibilidade da cadeia. Assim, sabendo qual o inventário que têm, sabendo qual é a procura (demand) e as reservas, podemos com base nesses dados decidir se enviamos, por exemplo, um camião, três camiões ou um contentor, o que for adequado.

Os oito colaboradores que ficam com a parte dos projectos, vão desenhar as mudanças na supply chain e decidir a introdução de novas tecnologias?
Exacto. Primeiro é garantir que as boas práticas, melhorias de produtividade, a redução de custos e as melhorias de serviço são partilhados com todos os OFC. Outro objectivo é garantir a utilização das tecnologias. Por exemplo, utilizamos o pick to light na preparação das encomendas, o que permite que estas sejam mais precisas. As soluções de digitalização possibilitam antever situações como detecção de erros no cubiing (a encomenda deve ter sempre uma forma de cubo). Isto é importante devido à introdução de novos produtos, que já estão a sair, e em que as “sleves” têm dimensões diferentes (no mercado português ainda são todas do mesmo tamanho). Na realidade à medida que se vão lançando novos produtos “juntar” tamanhos diferentes numa encomenda será um pouco como jogar Tetris a três dimensões. Aqui o cubiing (a tecnologia que ajuda a construir os cubos) vai ser combinada com o sistema de pick to light para tornar o processo mais rápido e eficiente.

Do produtor ao consumidor

Como é que a vossa supply chain está organizada. Têm uma cadeia de abastecimento a montante e a jusante?
O café vem directamente dos produtores. A Nespresso não trabalha com intermediários, todos os anos recebemos contentores marítimos cheios de café, que são enviados de diversas partes do mundo (Colômbia, Brasil, Etiópia, Índia, Indonésia, etc.) por navio, e depois de chegarem ao porto de destino, são encaminhados para as três fábricas por ferrovia. As máquinas e acessórios, a maior parte não vêm da China, mas da Europa de Leste. Estas são enviadas para o centro logístico, em Bruxelas, na Bélgica, e a partir daqui para os vários mercados. O café depois de pronto é armazenado num armazém com capacidade para cerca de 50.000 paletes, isto porque não armazenamos muito produto. Por razões de frescura, temos stock para poucos dias, sendo expedido o mais depressa possível. Aliás, as cápsulas são de alumínio exactamente devido a esta preocupação com a frescura e a qualidade do produto.

E a cadeia a jusante como funciona?
Neste caso voltamos às paletes que são expedidas por ano. Mas isto é só uma parte da cadeia, pois temos a parte do B2C, que é a maioria do downstream, pois entregamos directamente ao consumidor em 55% a 60% do negócio. É aqui, na última milha, que fazemos a diferença. Ao quererem mais serviço, os consumidores pressionam-nos e desafiam-nos a tornarmo-nos mais rápidos. Nos últimos três anos passámos de 33% de entregas no dia seguinte para cerca de 70%, a nível global. Disponibilizamos, na maioria dos mercados, opções de entrega no próprio dia ou expresso. Oferecemos também aos clientes mais pontos de entrega. Por exemplo, em Portugal já temos mais de 1500 pontos de entrega. Trata-se de velocidade e conveniência. Mas nem todos os consumidores querem velocidade, optando antes pela conveniência do ponto onde podem levantar a encomenda. As opções de controlar o slot em que esta vai ser entregue também é valorizada pelos clientes (slots de 2 horas), mas em alguns mercados já estamos a testar flexibilidade via uma app, em que o consumidor que pediu uma entrega para um slot num determinado dia, possa mudar a slot até 6 a 4 horas antes da entrega. Actualmente, no mercado português estamos a falar em 3 slots/dia: manhã (9-13h); tarde (13-19h) ou noite (19-22h).

A última milha neste momento é assegurada por operadores postais? Têm planos para usar formas alternativas como entregas usando um modelo “Uber”?
Usamos pequenos operadores mas é ainda algo muito marginal e fazemo-lo em mercados limitados quando faz sentido, ou como forma de testar novas tecnologias ou novas tendências. Por exemplo, estamos a trabalhar com algumas empresas que fazem entregas por bicicleta. Zurique é um exemplo. As entregas são feitas num raio de cinco quilómetros das boutiques. Ao fazê-lo estamos a alavancar o raio de influência da nossa rede de boutiques. Combinarmos o B2C, é uma forma de testar o omnichannel. Em Nova York, estamos a fazer experiências com entregas por mensageiro que se deslocam a pé, estes levantam os produtos na boutique e deslocam-se a pé ou por metro para fazer as entregas.
Não faz parte dos planos um sistema semelhante ao que está a ser montado pelo Wallmart, porque estas acções ainda são uma opção táctica. A Nespresso entrega cerca de 35 milhões de encomendas por ano, logo não é possível depender apenas deste tipo de soluções. Estas podem fazer sentido a nível local, e aí sim, temos de ser mais ágeis, procurar estar mais próximo dos consumidores. Nas grandes cidades faz sentido e é aí que a nossa rede de boutiques nos cria grandes oportunidades de sinergias para responder às aspirações dos consumidores.

Aposta na sustentabilidade

Como é que a Nespresso enfrenta desafios como a sustentabilidade, comércio justo, relação com os fornecedores, pegada de carbono e energias renováveis?
Ao longo da cadeia de valor e começando com os produtores de café, temos um programa importante – programa Nespresso AAA, para a Qualidade Sustentável. Trabalhamos com mais de 70.000 produtores de café espalhados por todo o mundo e a relação é directa com cada um deles. Este programa é focado na qualidade e tem como objectivo ajudar a melhorar a produtividade, os aspectos sociais e minimizar o impacto ambiental. Para garantir isto, a Nespresso paga aos produtores um preço acima do mercado, como forma de garantir a melhor qualidade possível do café.
O transporte é também muito importante, tentamos tanto quanto possível privilegiar o transporte sustentável. Utilizamos primeiro o barco para os contentores e do porto às fábricas é tudo expedido por ferrovia. Dependendo das distâncias e sempre que é necessário utilizar o transporte rodoviário, há sempre o cuidado de garantir que as paletes têm a carga adequada e que os camiões estão carregados na sua máxima capacidade.
Depois temos o nosso próprio programa de reciclagem. Do alumínio que usamos a nível global, 25% é reciclado. Nos últimos 10 anos através de várias iniciativas reduzimos em 25% a pegada de carbono. Ao contrário do que se possa pensar a componente principal não é o alumínio, mas a energia que usamos para torrar o café. É por essa razão que temos programas nas fábricas para tentar reduzir os gastos energéticos e preocupamo-nos com a eficiência das máquinas. Temos vários protocolos implementados neste sentido, como por exemplo a reutilização da energia libertada na torrefação para aquecimento de água. É, por isso, que as nossas cápsulas quando comparadas com o café de filtro têm um bom desempenho. Isto porque, quando preparamos café de filtro é normal usarmos café a mais, o que é uma desvantagem porque é na energia despendida na torrefacção que está o maior custo ambiental.

Que ganho vai ter a Nespresso com este novo centro?
Primeiro um maior foco. Um dos problemas que tínhamos é que as funções estratégicas acabavam por estar interligadas com as operacionais. Ao separar melhor estas duas funções, vamos agilizar os processos, ser mais rápidos a chegar ao mercado, pois a área estratégica trata do design e depois a operacional executa.
Por outro lado, vamos ter uma equipa de especialistas que vão estar apenas focados nos mercados o que vai ajudar a acelerar a disseminação e implementação de boas práticas, garantindo que temos um nível óptimo em todos os mercados.
O novo centro vai ser um hub internacional, uma plataforma de aprendizagem e de desenvolvimento de talentos que irá funcionar de forma bidirecional. Vai buscar competências aos vários mercados, analisa e trabalha essas competências e depois volta a disseminar essas competências.

Enfoque nas novas tecnologias

Falou em pick to light que é uma tecnologia testada, para além desta têm planos para implementar ou experimentar tecnologias como automação, inteligência artificial, realidade aumentada, blockchain?
O sistema de pick to light que estamos a implementar é um sistema de nova geração, que irá funcionar em conjunto com sistemas de automação, detecção de erros e cubiing. Estamos também a trabalhar com parceiros como a Mitsubishi para estudar a possibilidade de introduzir robôs. Estes ajudariam na preparação das encomendas. Não de todas, mas de algumas. Não representariam um risco para a força de trabalho pois trabalhariam em conjunto e seriam muito úteis nas alturas de picos. Os robôs podem, por exemplo, trabalhar durante toda a noite.
No caso da inteligência artificial, é outra área para onde estamos a olhar. Gostaríamos de saber antes do consumidor que este está a ficar sem cápsulas em casa, mas era necessário saber que sabor prefere, de que zona geográfica, se se aproxima um evento especial, como um aniversário. Este tipo de previsibilidade seria muito interessante e ajudaria a criar uma supply chain sem constrangimentos. A informação que é aportada pelo CRM e pelo histórico de encomendas poderá levar-nos nesta direcção.
Estamos também perto de lançar máquinas de café conectadas (internet of things – IoT), que contam as cápsulas e avisam o proprietário que é possível que esteja a ficar sem café.
Embora não esteja previsto nenhum projecto de blockchain, a Nespresso tem um controlo, uma visibilidade e rastreabilidade total da cadeia de abastecimento. Sabemos de onde veio o café que está numa cápsula e conhecemos o produtor, pois não compramos a intermediários.

Gostaria de acrescentar algo?
Sim, o novo centro vai ter pessoas que vêm de vários países, mas cuja experiência é principalmente na gestão de cadeias de supply chain locais. Aqui vamos gerir uma cadeia de supply chain global. Este centro embora esteja sedeado em Portugal – Lisboa – é um centro internacional, onde as pessoas que vão trabalhar, sejam de origem portuguesa ou estrangeira, vão fazer uma carreira internacional e enfrentar os desafios próprios de uma carreira internacional, pois vão ter de viajar para visitar os OFC em diferentes partes do mundo e vão integrar uma equipa transnacional, ou seja vão estar expostas a pessoas de diferentes países e de diferentes culturas.
Entrevista publicada na edição impressa nº 168 da revista Logística Moderna

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