Como chegaremos a 2023?

Seguramente uma das maiores preocupações que nos assaltam a todos neste final de ano, independentemente, do Sector e/ou actividade que desenvolvemos, prende-se com o tentar perceber, e até antecipar, o que esperar da situação global do mundo em 2022.
Não é uma tarefa fácil e já todos lemos, vimos e ouvimos imensas opiniões certezas e incertezas provindas de personalidades de abalizado reconhecimento intelectual, cultural e científico, mas também dos comumente chamados cidadãos anónimos. Invariavelmente quase todas as opiniões tocam os polos do optimismo ou do pessimismo, sendo raras as vezes que nos deparamos com posições mais neutras que espelhem a realidade balizada por um quadro da incerteza que nos espera, mitigado pela certeza de que, contingencialmente, teremos que ultrapassar as dificuldades, os escolhos e os desafios que nos irão surgindo pela frente.
Em minha opinião é muito mais importante em termos colectivos, individuais, empresarias e pessoais o exercício de saber como chegar a 2023, que estar a elaborar sobre o que esperar de 2022.
Não sendo eu diferente da maioria das pessoas é obvio que também tenho as minhas opiniões e certezas, sendo a maior delas a de poder também imaginar cenários mais ou menos optimistas que, no entanto, esbarram sempre na enorme incerteza da certeza que os tempos que vivemos são, hoje, muito pouco previsíveis. Para ser mais realista são totalmente imprevisíveis, não estivéssemos nós, Humanidade, a viver um período da História do qual temos poucas referências experimentais, ou as poucas que temos já vão longe e aconteceram em contextos algo diferentes.
Olhando atentamente e de forma isenta para 2021 que, julgo que sem excepção, todos desejamos que acabe rápido, percebemos claramente que as nuvens que persistem no horizonte há muito que se formaram e só por alguma conveniência, comodismo ou até ilusão não as antecipámos e nos preparámos para os tempos que agora vivemos. Não falo evidentemente do COVID 19 nem da pandemia, pois esse facto sim foi totalmente inesperado e imprevisível, mas refiro à forma totalmente desequilibrada, e a meu ver desajustada, como a sociedade global e a tão proclamada globalização se foi organizando. O mundo passou a dividir-se em verdadeiros opostos e contradições que, isoladas ou conjuntas, até porque relacionadas, conduziram o sistema económico e o comércio mundial a uma situação não só pouco sustentável, como até perigosa e socialmente injusta. Assim e apesar, ou se calhar como consequência dos avanços tecnológicos, produção e consumo, riqueza e pobreza, abundância e escassez, conhecimento e ignorância, estabilidade e instabilidade, democracia e ditadura nunca se afastaram tanto. Verificaram-se um sem número de desequilíbrios e desajustes a nível global que foram afastando geograficamente produção e consumo, favorecendo no campo do transporte e da logística a construção de cadeias globais, longas e arquitectadas em economias de escala levadas à exaustão.
A meu ver, foi toda esta situação que a crise pandémica veio acelerar e pôr a nu. Uma economia orientada para um foco obsessivo nos custos de produção, perfeitamente cego a uma estratégica geopolítica, às questões sociais no mundo e, para piorar ainda mais, altamente penalizadora da sustentabilidade ambiental, que finalmente, e ainda bem, ganharam um relevo determinante. O racional dominante foi o da lógica da produção muito barata, permitindo escalar o consumo, que tudo o resto se adaptaria. Durante muitos anos foi isso que aconteceu, só que, num repente todo o mundo se apercebeu de algo que já era evidente, mas ninguém queria ver. O Ocidente ficou totalmente refém da grande fábrica mundial, a China, e em consequência das condições laborais aí praticadas, dos transportes (navios e contentores), das questões energéticas (formas de produção e consumo) e talvez o mais importante das questões políticas estratégicas. Em suma começou a tomar forma a insustentabilidade (política, estratégica e económica) de a produção industrial que o Ocidente necessita para satisfazer o seu consumo, a sua riqueza e o seu welfare, estar muito afastada, e mais grave os fluxos de produção e cadeias de transporte menos controladas e asseguradas. A grande pressão de consumo de bens no Ocidente, causado pela pandemia, veio criar um enorme stress nas cadeias logísticas globais que foram revelando, em crescendo, a sua incapacidade de resposta. Numa primeira fase os navios esgotaram a sua capacidade, faltaram os contentores e os fretes marítimos e custos globais do transporte dispararam. Depois foi, como já constatámos, toda uma sequência de roturas e congestionamentos que encareceu e roubou a fiabilidade de toda a cadeia logística. Finalmente o disparar do custo das matérias-primas e uma crise energética inesperada vieram ajudar à formação da tal tempestade perfeita que criou o turbilhão de incertezas que hoje todos vivemos.
Claro que poderia escrever de uma forma mais objectiva sobre as expectativas para 2022, mas julgo que o mais importante é realçar a necessidade de adaptação e fortalecimento da resiliência de todos para se ultrapassarem as certezas, mas também as surpresas que o Ano Novo nos trará. Só assim chegaremos “vivos” a 2023, ano em que penso se começará a atingir uma nova normalidade e um quotidiano estável, necessariamente diferente da que conhecêramos antes da pandemia.
António Belmar da Costa

Director Executivo da AGEPOR

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