Bel Portugal: Entrevista Ricardo Marques, Supply Chain Director

A Bel é um grupo multinacional familiar de origem francesa, que tornou um produto tradicional, o queijo, num conceito inovador. Desenvolve produtos nutritivos e divertidos, que são adaptados aos diversificados hábitos de consumo. Em Portugal conta com 2 fábricas, uma nos Açores, onde é produzida a marca Terra Nostra e outra em Vale de Cambra, onde é produzida a marca Limiano. O principal canal de distribuição é a Distribuição Moderna.

O modelo económico da Bel é baseado na força das suas marcas diferenciadas, universais ou locais. Elas são o coração da estratégia de desenvolvimento do Grupo, que combina uma visão de longo prazo, performance sustentável e crescimento a nível internacional.
O grupo emprega mais de 12.400 pessoas de 36 nacionalidades em 32 centros de produção, 5 centros de Investigação e Desenvolvimento e mais de 40 subsidiárias espalhadas pelo mundo, chegando a mais de 400 milhões de consumidores em mais de 120 países.
A estratégia de responsabilidade social corporativa da Bel, a nível global, assenta em 5 eixos, complementados transversalmente pelo bem-estar das pessoas: Alimentos mais saudáveis; Agricultura Sustentável; Embalagens responsáveis; Luta contra as alterações climáticas e Acessibilidade.
Já no mercado nacional, a Bel Portugal conta com várias marcas que fazem parte dos hábitos alimentares dos portugueses há gerações. É líder do mercado de queijo, detendo as duas maiores marcas: Limiano e Terra Nostra, que lideram também o segmento flamengo. Já a nível mundial, a Bel tem duas marcas ícones: A Vaca que ri e Babybel que lideram em Portugal o segmento de Snacking de queijo. Num segmento diferente detém a marca de saquetas de fruta, GoGo squeeZ. Mais recentemente lançou no mercado a marca Nurishh, de origem 100% vegetal, produzida numa fábrica exclusiva para produtos 100% origem vegetal em Saint-Nazaire, na França.
Ricardo Marques, Supply Chain Director da Bel Portugal explicou à Logística Moderna como é que funcionam as operações de produção e logísticas das marcas que os portugueses tão bem conhecem.

 

Logística Moderna – Neste último ano que se apresentou desafiante qual a performance do sector dos lacticínios no mercado português e no que diz respeito às exportações?
Ricardo Marques – O ano passado a venda de lacticínios subiu 5,7%, segundo dados da APED. As nossas exportações cresceram 13% em valor comparativamente com 2019.

 

Qual o volume de produção das duas fábricas da Bel Portugal?
Na fábrica de Vale de Cambra produzimos mais de 13 mil toneladas de queijo acondicionado em diversos tipos de embalagens, bem como 4.000 toneladas de subprodutos industriais.
Na fábrica da Ribeira Grande temos uma capacidade de aproximadamente 15 mil toneladas de queijo / ano.

 

Qual a importância da exportação no volume de produção? Para que países é que exportam e quais os principais produtos exportados?
Inserida no Departamento de Vendas, a área de exportação representa 1,4% do negócio da Bel Portugal. É essencialmente um negócio que desenvolvemos para o mercado da “saudade”. Exportamos para 14 países, onde França é o nosso principal mercado europeu, seguido do Luxemburgo e de Inglaterra. Noutras geografias, estamos também presentes nos PALOPS, África do Sul, Canadá e Timor.
Os principais produtos exportados são da marca Limiano, que representa 76% do valor total de vendas. O formato bola Limiano representa 52% do valor total de vendas.

 

Neste último ano depararam-se com algum constrangimento nomeadamente, no que diz respeito ao transporte internacional?
O volume de negócio ao nível das exportações cresceu 13% em valor no Ano 2020 vs 2019, apesar dos constrangimentos nos mercados de destino devido à COVID-19 e às limitações e regras de circulação de transportes nas fronteiras e regiões.

 

Para além da crise pandémica as empresas exportadoras também tiveram que se ajustar às alterações nas relações comerciais Portugal/Reino Unido. Qual a importância das exportações para o Reino Unido e qual o impacto do novo acordo?
As exportações para o Reino Unido em 2020 representaram 8% das vendas totais. O BREXIT não afectou o negócio devido a uma antecipada coordenação/preparação com os clientes nas alterações da operação de exportação.

 

Os desafios são diários
na cadeia de abastecimento

 

Como é que funciona a cadeia de abastecimento da Bel Portugal?
A cadeia de abastecimento começa com a recolha de leite nos nossos produtores. Maioritariamente, todo o leite que recolhemos vem refrigerado, e assim que chega às nossas fábricas, entra imediatamente no ciclo de produção.
Actualmente temos dois polos industriais: Vale de Cambra e Ilha de São Miguel – Ribeira Grande. No polo de Vale de Cambra, temos uma unidade de produção de Fatias e uma unidade de produção de snacking. Já no polo da Ilha de São Miguel – Ribeira Grande, temos uma unidade de produção do Leite de Vacas Felizes, uma unidade de produção de manteiga, para além da unidade de produção de queijo.
Também vendemos produtos produzidos em outros países (A Vaca que ri, Babybel, GoGo squeeZ e Nurishh) e neste caso o fluxo é mais simples. Recebemos semanalmente estes produtos para podermos oferecer aos consumidores produtos nas melhores condições de qualidade e frescura.
Globalmente a Bel tem cerca de 640 colaboradores, distribuídos entre as fábricas e escritórios, completamente comprometidos com os nossos valores: entregar produtos saudáveis e acessíveis a todos de forma responsável.
A nossa operação logística, desde as fábricas, é efectuada em regime outsourcing, temos os nossos produtos distribuídos por 3 armazéns de onde fazemos a distribuição para o mercado.

 

Quais os desafios com que se deparam a montante e a jusante da cadeia de abastecimento?
Actualmente vivemos num mundo volátil, incerto, complexo e ambíguo, por isso os desafios são diários e em toda a cadeia de abastecimento.
O caminho é aumentar claramente a comunicação e a partilha com todos os stakeholders sobre todas as situações que impactam a operação e em conjunto “pensar” em soluções e compromissos.
Os grandes desafios, numa visão global “end to end” é conseguirmos um equilíbrio entre produção e procura (compras dos clientes – com pedidos em muito curto espaço de tempo), para que o working capital seja o mínimo possível, sem causar falhas de abastecimentos aos consumidores.
A redução da pegada ambiental é também um grande desafio, como seja conseguir reduzir a pegada de CO2, num ambiente de entregas diárias e grande dinâmica.

 

Reduzir o impacto
dos transportes é prioritário

 

Concretamente que investimentos têm sido feitos, ao nível dos processos, da produção, equipamentos e logística?
Os investimentos que estamos a fazer na área de logística, passa por reduzir o impacto dos transportes com o nosso operador Logístico.
Quanto à fábrica da Ribeira Grande em São Miguel, Açores, anualmente investe aproximadamente 1 M€/ano, em diferentes rúbricas (instalação de linha de UHT em 2016, 5M; investimento na Biomassa 2021, 2,1 M€)
Para além destes investimentos extraordinários temos nos últimos tempos investido na automação para criar melhores condições ergonómicas aos operadores, sendo neste momento uma das principais prioridades.
No que diz respeito à Fábrica de Vale de Cambra investimos anualmente cerca de 1 M€ em várias áreas, processos e equipamentos, sempre com foco na melhoria das condições ergonómicas e segurança dos nossos colaboradores, melhoria dos nossos produtos e resposta às necessidades dos nossos clientes, assim como aumento de eficácia e produtividade. O último grande investimento foi a construção de mais uma área de produção que nos permitiu o lançamento da gama Snacking (1,5M€).

 

Na operação fabril qual o nível de automação? Cada linha de produção produz apenas um produto ou são multiproduto? Em média as vossas unidades fabris trabalham em quantos turnos?
Na fábrica da Ribeira Grande temos diferentes casos, zonas da fábrica que trabalham 7 dias a 3 turnos e outras secções que trabalham 5 dias a 2 ou 1 turno. Depende dos produtos. Temos também linhas multiproduto e linhas mono produto. Em termos de automação podemos dizer que nos últimos anos tem sido feito um esforço grande, mas ainda existe um longo caminho a percorrer
Na fábrica de Vale de Cambra: Dependendo da área da fábrica e o período do ano, podemos ter secções a trabalhar 6 dias a 3 turnos e outras seções a 5 dias, 3 ou 2 turnos. A flexibilidade é um dos pontos fortes das nossas equipas.
A nossa linha de fabrico de queijo é multiproduto, o que nos permite fazer diversos formatos desde 2 kg a 500g, enquanto na área de packaging temos linhas multiproduto e outras mais específicas só para um tipo de produto.
A nível de automação continuamos a investir e temos diversos projectos com objectivo de aumentar a eficiência e rastreabilidade dos nossos processos e produtos, melhorar as condições ergonómicas e de segurança dos nossos colaboradores, e reduzir consumos energéticos com vista na redução da nossa pegada carbónica.

 

200 milhões de litros de leite
por ano em Portugal

 

Quais as quantidades de leite necessárias para a vossa actividade? É uma matéria-prima fornecida diariamente?
A nossa operação em Portugal envolve cerca de 200 milhões de litros de leite anualmente, originando uma média de 550 mil litros que diariamente entram nas nossas fábricas, mas não sendo linear todo o ano devido à sazonalidade da produção de leite.

 

O leite provém de onde para além dos Açores? Como é que caracterizam as relações com os vossos fornecedores? E em termos de rastreabilidade, como é que é garantida?
O leite utilizado na marca Terra Nostra provem exclusivamente dos Açores e de produtores certificados no Programa Leite de Vacas Felizes, com os quais temos uma relação de parceria em que a nossa equipa técnica, conjuntamente com especialistas, procura introduzir melhorias na gestão diária dos produtores no sentido de termos elevados standards de bem-estar animal, impacto ambiental e alimentação com base na pastagem.
A nossa rastreabilidade vai desde o produtor até ao cliente, onde temos informatizado todo o processo, para podermos identificar quem e quando foi recebido e a quem e quando foi entregue.

 

Considerando que estamos a falar de produtos refrigerados como é que funciona a cadeia de frio, desde a produção de leite até à distribuição do produto acabado?
O leite é-nos entregue quer nas explorações de leite quer nos postos de recolha, onde o leite é automaticamente arrefecido, de modo a manter as suas características. Simultaneamente são efectuados testes de validação da qualidade do leite.
Durante todo o processo de entrega nas fábricas e produção do produto final a temperatura é monitorizada, assim como também são efetuadas análises ao longo do processo, de acordo com o tipo de produto fabricado.

 

Outsourcing das operações logísticas

 

Após serem produzidos os produtos seguem para um armazém? Ficam algum tempo nesse armazém ou trata-se de uma operação estilo cross-docking?
A Bel trabalha em regime de outsourcing com toda a operação logística. Toda a produção é semanalmente e diariamente enviada para o nosso operador. É a partir daí que todos os nossos clientes são posteriormente fornecidos.

 

Num mercado como Portugal, têm armazéns regionais? A partir dos quais é depois feita a distribuição pelos pontos de venda?
O nosso operador trabalha essencialmente com 2 armazéns (Norte e Sul) de preparação de encomendas, onde tem produto armazenado, e trabalha com 8 plataformas de cross-docking em todo o país.
Os processos são todos digitalizados em termos de fluxo de informação e as preparações de encomendas ainda requerem bastante mão-de-obra.

 

O transporte é feito pelo mesmo operador? Qual o nível de digitalização?
A nossa operação é toda realizada em regime outsourcing e concentrada num operador.
A frota está equipada com uma solução da cartrack. A solução permite, essencialmente: localização de viatura em tempo real, temperatura em tempo real (e histórico), paragens e abertura de portas e histórico de viagens.

 

A Bel tem produção nos Açores, como é que é feito o abastecimento do Continente (transporte marítimo, aéreo)?
O abastecimento da unidade industrial que temos nos Açores na Ribeira Grande em São Miguel é abastecida por transporte marítimo. O Continente é abastecido tanto pelos produtos produzidos nos Açores (Terra Nostra) como pelos produtos produzidos no Continente (Limiano).
No que diz respeito aos produtos que são vendidos nos Açores ou são produzidos localmente (ex: Terra Nostra) ou também são transportados em transporte Marítimo.

 

Logística inversa a cargo
do operador logístico

 

Qual é o prazo médio de validade dos vossos produtos? Idealmente quanto tempo deve um produto ficar exposto na loja?
A validade nos nossos produtos é muito variável e apresentar uma média não espelha a realidade. Por exemplo temos o Leite de Pastagem com 9 meses de validade e alguns tipos de queijo com 30 dias.
Sendo a frescura um pilar essencial dos nossos produtos e um compromisso essencial com os nossos consumidores, os nossos produtos são produzidos e transportados diariamente para os nossos clientes, que rapidamente os colocam nas prateleiras, ou seja, o esforço de frescura é conjunto e tripartido.

 

Como é que funciona a logística inversa? O que acontece aos produtos que retornam à fábrica ou armazém?
A logística inversa é um processo que é realizado pelo nosso operador logístico e os produtos regressam ao armazém, onde são avaliados pela nossa área de qualidade que decide o destino do produto.

 

Ao nível da sustentabilidade quais têm sido as apostas do Grupo Bel?
A estratégia de responsabilidade social corporativa da Bel, a nível global, assenta em 5 eixos, complementados transversalmente pelo bem-estar das pessoas: (1) Alimentos mais saudáveis, na procura de maior naturalidade e redução de ingredientes; (2) Agricultura Sustentável, com vista à redução do impacto ambiental, apoiando o desenvolvimento dos produtores, trabalhando temáticas como a qualidade e segurança nutricional, o bem-estar animal e o foco na pastagem; (3) Embalagens responsáveis, onde estamos a fazer esforços para as tornar 100% recicláveis e/ou biodegradáveis; (4) Luta contra as alterações climáticas, olhando para reduções de consumos de água e electricidade, bem como para a pegada carbónica das nossas operações; (5) Acessibilidade, dando possibilidades de acesso dos nossos produtos nutricionalmente ricos em mais canais de distribuição e, por último, colaborar para o decréscimo do desperdício alimentar via parcerias.

 

Artigo publicado na edição impressa nº180 da revista Logística Moderna

 

Written by