No final da adolescência tive a oportunidade de ler o “Admirável Mundo Novo”, de Aldous Huxley e, confesso, que ainda muito jovem, o livro me marcou e me deixou a pensar como, já no início da década de 30 do século passado, se imaginava um futuro onde a sociedade seria rigidamente organizada e controlada por meio da engenharia genética, do condicionamento psicológico e do consumo de drogas para manter a ordem e a felicidade artificial.
Mais ainda quando, meses depois da edição original do livro, o mundo começou a enfrentar um dos períodos mais negros da história moderna, que se prolongaria até ao final da 2ª Grande Guerra Mundial. Depois disso e mesmo atravessando a Guerra Fria, a explosão do terrorismo internacional ou o pesadelo da pandemia, o mundo parecia ter um rumo optimista.
No entanto, os últimos meses parecem ter mudado um paradigma de quase oito décadas de um mundo a caminhar para a globalização, para uma muito maior fluidez no movimento de pessoas e bens, para uma economia geradora de progressivo bem-estar, para uma crescente liberdade política. Hoje, sinto que, como dizia a canção, estamos cada vez mais próximos do “the end of the world as we know it” e de um “Deplorável Mundo Novo”.
Hoje, no quadro internacional, há vários factores – de matriz económica, política, tecnológica e ambiental – a afectar o sector da logística, a começar desde logo pela instabilidade internacional e pelas crises geopolíticas, com conflitos em regiões estratégicas, como a guerra na Ucrânia e tensões no Médio Oriente e no Mar Vermelho, com forte impacto nas rotas comerciais e nos custos de transportes e logísticos, ou com a multiplicação de sanções e contra-sanções económicas e disputas comerciais entre os principais blocos económicos a afectar, à escala global, as cadeias de aprovisionamento.
As flutuações nos custos de energia e combustíveis e a escassez de profissionais qualificados, afectam directamente os transportes marítimos, aéreos e rodoviários, a que se somam o avolumar de desastres naturais e eventos climáticos extremos que prejudicam, repetidamente, as infraestruturas logísticas e os sistemas de transporte.
Acresce a pressão para reduzir emissões de carbono ou a proliferação de regulamentações ambientais cada vez mais rigorosas na União Europeia e noutros mercados, a exigir ajustamentos na cadeia logística. Ou o crescimento exponencial, nos últimos anos, do comércio electrónico e da logística urbana, a aumentar a procura de sistemas de entregas cada vez mais rápidos e mais capilares.
Nestas últimas semanas, o mundo tem sentido a explosão das tensões geopolíticas e uma agenda fortemente comandada pelas guerras tarifárias, o que afecta e tenderá a afectar ainda mais o sector logístico, desde a possibilidade de interrupção de cadeias de abastecimento até à expectativa de inflacionamento dos custos operacionais. As sanções económicas e as restrições comerciais irão impactar a produção e o fornecimento de matérias-primas e componentes essenciais e geram aumentos de custos no comércio bilateral, levando as empresas a buscarem outros fornecedores, noutras regiões, implicando novas rotas e sistemas logísticos alternativos,
Outra das tendências, num mundo cada vez mais polarizado e protecionista, passa pela relocalização de infraestruturas industriais, situando-as em locais mais próximos ou em países ‘amigos’, o que obriga à mudança de fluxos logísticos, reduzindo a dependência de determinados blocos económicos, mas aumentando as necessidades de investimento em novas infraestruturas de transporte.
Este ‘deplorável’ mundo novo aumenta, de forma brutal, a incerteza e a volatilidade, o que afecta amplamente o planeamento logístico, obrigando, por exemplo, a uma muito maior flexibilidade na gestão de stocks, na capacidade de armazenamento ou na contratualização dos transportes.
Por isso, a evolução do sector da logística internacional para os próximos um/dois anos será, certamente, impactada por avanços tecnológicos, por mudanças nas cadeias de abastecimento e, claro, pelos desafios geopolíticos. Passará, sem dúvida, pela adopção acelerada de novas tecnologias e sistemas de automação, com maior uso da Inteligência Artificial para ajudar a prever a evolução da procura, a optimizar rotas ou a promover a redução de custos, pela adopção de blockchain e pela expansão da utilização de robots em armazéns e centros de distribuição. Passará, por certo, pela relocalização e, especialmente, pela regionalização de muitos fluxos comerciais. Passará por investimentos significativos na área da sustentabilidade no sector dos transportes e da armazenagem.
Por tudo isto, o sector logístico tenderá a tornar-se progressivamente mais tecnológico, mais sustentável e mais descentralizado, mas terá de ultrapassar obstáculos económicos, desafios regulamentares ambientais e tensões geopolíticas e, como em muitos outros sectores da economia, terá de atravessar uma forte cortina de nevoeiro até que o mundo se liberte dos actuais espartilhos… e empecilhos!