Melhoria Contínua – O conflito real nas organizações
Luís Cristóvão, Eng. MBA, MSc, Certificado TOCICO, director de operações
Todos devemos fazer bem à primeira vez, esta foi uma lição que aprendemos com os gurus da Qualidade, Juran e Deming, os que mudaram o rumo ao Japão e ao Mundo Ocidental.
Partindo da esfera social, fomos educados, e educamos os nossos filhos, em termos de fazer tudo bem feito, em maximizarmos e otimizarmos sempre tudo. Procurar ser o melhor na escola, retirar o máximo das relações com os amigos, conhecidos e com a sociedade em geral. Enfim, maximizar tudo o que pode ser um benefício para a nossa vivência.
Mas vamos às empresas, será que isto se mantém? Os valores que nos ensinaram desde pequenos para maximizarmos tudo, otimizarmos tudo aquilo em que podemos participar, serão igualmente válidos? Nas organizações ao contrário de outros sistemas sociais como a família, os amigos, os conhecidos, a comunidade local, o país… as relações são mais rígidas.
A hierarquia funciona de uma forma mais estruturada que inclui a teia de relações entre pessoas, processos e o próprio sistema organizacional.
Hoje nas organizações a pressão é enorme, para maximizarmos todos os proveitos (e minimizarmos todos os custos). Mas, então, estamos na situação semelhante àquilo que os nossos pais e avós sempre nos ensinaram! Aonde nos leva esta lógica? Sabemos, desde a Antiguidade, que nos sistemas existem hierarquias com fortes regras de dependência entre membros, processos, atividades e entre a própria teia de objetivos que enreda esses sistemas.
“… Dê-me a alavanca correta e o ponto de alavancagem que eu posso fazer mover o mundo”. Esta frase, atribuída a Arquimedes, sintetiza uma realidade que é hoje conhecida a nível sistémico e que se demonstra facilmente com matemática simples… a de que o somatório das pequenas melhorias das várias entidades num sistema, não constitui, necessariamente, o ótimo global desse sistema!
Mas, então, tudo aquilo que são os nossos valores, tudo o que nos ensinaram está errado? Será que o popular “grão a grão enche a galinha o papo” não se aplica? É bom e saudável melhorarmos todos um pouco, todos os dias, para sempre. O movimento da Qualidade traduziu, e bem, esta lógica para melhoria… contínua. Todos os gestores das organizações dizem isto sempre que podem e fazem-no da melhor maneira que sabem.
Tomemos o exemplo hipotético de uma empresa que atua na área da Logística. Não há dúvida que a gestão desta empresa sabe que precisa de melhorar. O objetivo é ter uma organização que apresente bons resultados, de forma sistemática. Mas, então, por um lado, o negócio tem de “andar” para a frente, tem de concentrar-se nos seus clientes, ou seja, nas atividades comerciais. Mas tem também de concentrar-se nas operações, na tecnologia, nomeadamente, na modernização dos centros de armazenagem, no uso do RFID e da geolocalização dos seus veículos. Mas também não pode descurar-se a atividade financeira, tem de melhorar-se a utilização dos ativos, baixar o endividamento, gerar mais cash flow. Enfim, subir o EBITDA e o Lucro. Ou seja, para apresentar resultados sistematicamente bons, a empresa tem necessidade de concentrar-se nas atividades Comerciais, Operacionais e Financeiras. Mas isso significa que deve melhorar nestes pontos e não necessita pois de implementar um sistema de melhoria mais estruturado. Afinal já tem melhorias mais que suficientes a fazer.
Mas, por outro lado, a pressão de todos os stackeholders para melhorar é grande pois estes querem resultados bons de uma forma sistemática, não nos podemos esquecer. Ou seja, cada uma das áreas deve procurar cumprir os seus objetivos, ou melhor, superá-los. Têm de conseguir novos negócios e novos clientes muito embora saibamos que a concorrência é cada vez mais aguerrida. O número de operadores logísticos é assustador e a diferenciação difícil, acaba por resultar em guerras de preços que a todos prejudicam. A empresa tem de ser operacionalmente muito mais eficiente e o uso das novas tecnologias é mandatório mas também a necessidade de ter pessoas mais flexíveis e bem treinadas para servir melhor os clientes.
Muitos destes sistemas têm, no entanto, um custo elevado e a sua aquisição tem sido adiada por imperativos financeiros. Sim, tem de ter-se muita atenção à evolução das vendas, salvaguardando a rentabilidade da empresa e não pode cair-se em negócios apenas de volume que, no final do dia, acrescentam pouco… ao bottom line! Isto tudo só pode significar que tem de começar-se por algum lado e que a empresa deve ter um processo estruturado de melhoria no meio deste caos de prioridades!
Esta é uma situação complexa mas segundo a ToC – Teoria das Restrições pode ser resumida num diagrama simples. Este diagrama é binário e esta é uma das razões da sua força e simplicidade ao mesmo tempo. Trata-se do chamado “Diagrama de Resolução de Conflitos” ou muito simplesmente de “Nuvem” que se mostra seguidamente:
Portanto, para que a nossa empresa Logística alcance Bons Resultados, tem de ter-se uma “Concentração em atividades Operacionais, Comerciais e Financeiras” (necessidade). Mas para ter “Concentração em atividades Operacionais,….” tem de “Não implementar um processo de melhoria estruturado” (ação).
Mas, por outro lado, para o mesmo objetivo comum, de Bons Resultados a empresa tem uma “Pressão grande para melhorar a performance”(necessidade). Mas para melhorar a performance tem de “Implementar um processo de melhoria estruturado” (ação).
As duas entidades correspondentes às ações estão em conflito pois não podemos ao mesmo tempo “Implementar” e “Não implementar” um processo de melhoria estruturado!
Como resolver este conflito real, este “Tug of war” na empresa? Normalmente as organizações não resolvem estes conflitos, que se eternizam pois são criados mecanismos de cedência, de compromisso, faz-se um pouco de isto e um pouco daquilo, para que todos fiquem satisfeitos. Criamos assim soluções pobres que são frequentemente “lose-lose”.
No entanto para obtermos soluções “win-win” teremos de resolver o conflito sem cedências. Isto é possível, se começarmos por questionar os pressupostos que estão “por baixo” das setas na nossa Nuvem.
Se por exemplo questionarmos o ramal superior do diagrama, para termos “Concentração em atividades Operacionais, Comerciais e Financeiras, não devemos implementar um processo de melhoria estruturado”… porque:
– Porque… simplesmente não temos tempo nem disponibilidade para termos outro tipo de atividades;
– Porque… não existem recursos em número suficiente para ainda termos um processo de melhoria estruturado;
– Porque… aos melhorarmos em todas estas áreas Comercial, Operacional e Financeira já temos melhorias mais do que suficientes para a nossa massa crítica.
Podemos prosseguir e assertivamente procurar explicações para a seta entre as duas entidades anteriores. Temos pois de procurar ações (injeções) de forma a contrariar os pressupostos atrás definidos e assim podemos segundo a ToC quebrar a seta (esta deixa de fazer sentido). Se conseguirmos quebrar alguma das setas quebramos a Nuvem (“Evaporamos a Nuvem”) e deixamos de ter conflito.
A ação que pode quebrar esta seta é respondida justamente pela introdução da ToC no processo de melhoria. A ToC é uma metodologia que se focaliza na META ou objetivo da empresa (neste caso seria a obtenção de resultados, do Lucro) com o intuito de descobrir as restrições dessa empresa. As restrições, normalmente um ou dois pontos na organização, são pontos de alavancagem, isto é, são pontos onde a melhoria deve focalizar-se para se obterem melhores resultados com menos recursos.
Ora, a falta de recursos era justamente uma das causas apontadas pela empresa Logística para não implementar um processo estruturado de melhoria!
O uso da ToC, por outro lado, atua no ramal inferior também pois ao implementar-se um processo de melhoria focalizado nas restrições obtêm-se resultados de uma forma muito mais eficaz, ou seja, aproximamo-nos mais facilmente da META da empresa em obter Lucros de uma forma consistente.
Atuando desta forma estamos a eliminar os pressupostos das setas e quebramos o conflito.
Neste pequeno exemplo, a Nuvem serve para definir e estruturar soluções criativas para os problemas de sistemas complexos no exemplo a empresa Logística considerada.
Se resumirmos o caminho definido pela ToC que contraria a tendência do melhorar tudo, a toda a hora, e para todo o sempre… chegamos inevitavelmente a uma única palavra… FOCO.
As organizações antes de tudo deverão estar focalizadas no seu objectivo último e estar perfeitamente alinhadas com ele. Depois terá de vir todo o desdobramento nos restantes objectivos em consonância com a Meta (objetivo último). Mas atenção, pois para orientarmos o esforço de melhoria devemos também procurar os bons exemplos, a sabedoria passada, irmos até Arquimedes… ou seja, devemos procurar o ponto de alavancagem das organizações.
Esta lógica foi redescoberta e desenvolvida ao nível prático por Goldratt nos anos 80 através do conceito de restrição e da sua famosa Teoria das Restições (Theory of Constraints) que já referimos. As restrições de um sistema, ao contrário do significado da linguagem comum, são os pontos do sistema que impedem, ou não, que este se aproxime ou alcance o seu objectivo último ou Meta. Se é o lucro ou qualquer outro, é algo que impede obtermos o seu máximo ou de nos irmos aproximando dele.
Mas o que é que isto tem a ver com a Qualidade e com melhoria contínua ? Fazer bem à primeira e melhorar, se fôr feito no ponto de alavancagem, tem um efeito muito maior uma eficácia sem paralelo, quântico, na organização! Além disso, a melhoria pode ser gerida de uma forma sistémica e não casuística ou política, para que nos possamos aproximar da Meta com um mínimo de esforço e de desperdício de recursos, ou seja, da forma mais Lean possível!!
A Nuvem é uma das ferramentas utilizadas pela ToC, fazendo parte dos Thinking Processes (Processos do Raciocínio) , desenvolvidos em 1991 por Goldratt e uma equipa de colaboradores com o objectivo de utilizar a lógica e o bom senso para desenvolver soluções, utilizando o raciocínio dedutivo. Goldratt reinventa a ToC que, até 1991, era conhecida pela optimização dos “botlenecks” ou gargalos na produção. A evolução da ToC segue o pensamento e os livros de Goldratt que escreveu mais de 15 livros e produziu inúmeros materiais didáticos desde ensaios e artigos, software educacional, simuladores, videos que desenvolvem e enriquecem o património que foi a sua obra.
Soluções para Problemas e Organizações Complexos
A ToC é pois uma filosofia de gestão holística que se concentra nos pontos de alavancagem das organizações ou Restrições para obter o máximo de benefício com um mínimo de esforço em termos de recursos. Se existe uma palavra que caracteriza a ToC essa palavra é inevitavelmente “FOCO”.
A questão das Restrições é conhecida desde há muitos anos, como referimos, mas a verdade é que Goldratt teve uma intuição única, ao descobrir que a partir das Restrições de um sistema podemos controlá-lo através de um número de pontos muito reduzido. Encontrar as Restrições não significa pois acabar de imediato com elas, mas sim utilizá-las estrategicamente para tirar o máximo de output desse sistema!
O Processo de Melhoria – ToC Way
O livro “A Meta” (The Goal) editado em 1984 foi a primeira obra onde o processo de melhoria ToC estava implicito. Este processo que mais tarde foi incorporado por Goldratt nas edições a partir de 2003, segue os seguintes passos:
1. Identificar a Restrição.
2. Explorar a Restrição.
3. Subordinar tudo o resto à Restrição.
4. Elevar a Restrição.
5. Se a Restrição não tiver sido quebrada, não deixar que a Inércia seja a próxima Restrição, voltar a 1.
Este procedimento parte da Identificação da Restrição, para a fase de Exploração onde o objectivo é obtermos o máximo output da Restrição, sem investimentos adicionais.
A fase de Subordinação diz-nos que a Restrição é o passo mais lento/o elo mais fraco da cadeia e portanto toda a organização deve funcionar ao seu ritmo.
A fase de Elevação é um aumento de capacidade da Restrição e só aqui devem ser feitos investimentos para se conseguir aumentar o Lucro da organização aumentando o output da Restrição.
O processo é então repetido novamente em ciclos de melhoria sucessivos.
Aplicações standard
As aplicações standard mais conhecidas são na área da Produção (Operações), dos Projetos e da Distribuição (Logística/Supply Chain), embora existam outras aplicações no Marketing e Vendas, Estratégia, etc, e as aplicações lógicas que já referimos:
Aplicações na Produção (Operações) – Drum-Buffer-Rope (DBR):
Neste caso estamos a falar de Restrições físicas ou bottlenecks, funcionando o bottleneck como Drum ou Tambor para impôr o ritmo da produção, sendo protegido por um Buffer ou Pulmão (de tempo, que se pode visualizar em stock de proteção). A libertação de materiais é feita para o shop floor de acordo com a Rope ou Corda, que está sincronizada com o ritmo do Drum.
Esta aplicação é muito utilizada em ambientes da gestão de operações e aplica-se quer a processos industriais quer a processos de serviços.
Aplicações nos Projectos: – Critical Chain Project Management (CCPM):
A Gestão Projectos pela Cadeia Crítica, considera que a restrição nos projetos é justamente a cadeia crítica, ou seja, o passo mais lento, considerando as atividades de um projeto e os seus recursos simultaneamente. A lógica da restrição é a mesma e o foco de um projeto deixa de ser o seguimento puro tarefa a tarefa, mas a execução global do projeto, para que este seja entregue a tempo e dentro do budget (ou antes do tempo previsto).
O CCPM é antes de mais uma metodologia de controle da execução do ou dos projetos pois funciona em ambientes mono e multi-projeto.
Aplicações na Distribuição (Logística/Supply Chains) – ToC Rapid Replenishment:
A ToC Reabastecimento Rápido (RR) procura responder à questão de qual o stock ideal em cada ponto para para determinado momento no tempo, duma rede logística, que possa evitar quer excessos quer falhas de stocks. A solução baseia-se em concentrar o stock em determinados pontos da cadeia para reduzir o risco que alimentam duma forma contínua num fluxo puxado (tipo pull) seguindo a procura real do cliente para montante. Este modelo pode funcionar em MTO ou em MTS ou mesmo em ambientes mistos, duma forma que se convencionou chamar MTA (Make To Availability)
A solução ToC RR tem vários formatos e tem sido usada com outro tipo de metodologias como o MRP. Uma dessas metodologias é a DDMRP (Demand Driven MRP) que conjuga a metodologia e conceitos ToC, nomeadamente o conceito de Restrição e a prática do Buffer Management (para controlo duma forma dinâmica dos stock em locais e pontos críticos) com os benefícios do MRP aplicado sobretudo na gestão e desdobramento das estruturas de produtos (BOM’s) para aprovisionamanto de materiais com os fornecedores.
Se quiser saber mais acerca da ToC pode consultar os livros traduzidos de aplicações, Trilogia DIY ou a Meta, Meta Rev, ou contactar-me em, cristovl@hotmail.com. Em Fev.2016 irá ser efetuado um curso avançado sobre ToC, inédito em Portugal em, cltservices.net