Indústria petrolífera: Impacto do Covid-19 é «brutal e sem precedentes»

À medida que o Covid-19 reduz a procura e os grandes produtores aumentam a produção do petróleo são criadas as condições para uma possível situação caótica que pode colocar em sobrecarga a capacidade global de armazenamento. A Logística Moderna falou com António Comprido, Secretário Geral da Apetro, que explicou as preocupações da indústria petrolífera perante a actual pandemia.

 

Logística Moderna: Pela ação dos países produtores e da travagem abrupta da economia mundial (em consequência do COVID-19), há um excesso de petróleo no mercado. Como vê o atual momento da Indústria Petrolífera?

António Comprido: A Apetro vê a situação com muita preocupação, pois o seu impacto é brutal e sem precedentes, não só para a Indústria Petrolífera, como para a economia, tanto a nível nacional, como global, levando inevitavelmente ao encerramento de empresas e ao aumento do desemprego. De notar que, com maior ou menor intensidade, foram impostas medidas de confinamento em 187 países e territórios, tendo a atividade caído drasticamente em todo o mundo. Segundo a AIE – Agência Internacional de Energia, e tendo apenas em conta o setor dos transportes, mesmo assumindo que as restrições de viagens venham a ser atenuadas no segundo semestre do ano, a procura global de petróleo em 2020 deverá cair 9,3 milhões de barris por dia em relação a 2019, anulando quase uma década de crescimento. Será importante referir que, embora com dimensões muito dispares, existem em todo mundo pelo menos 100 países produtores de petróleo, sendo essa atividade fulcral para as suas economias, e consequente estabilidade social. Considerando que não estamos perante uma crise comum, isto é, uma recessão económica regional, mas sim de uma interrupção abrupta da produção de valor, e dos consequentes fluxos comerciais, em quase todo o mundo, as expectativas não poderão ser muito animadoras.

 

Na sequência dos dois choques petrolíferos foram definidas reservas estratégicas para Portugal. Quais são elas? Temos autonomia para quanto tempo?

A definição do nível de reservas estratégicas está definido por directiva comunitária e por legislação nacional, e é correspondente a 90 dias de consumo. Saliente-se que com as quebras de consumo que se verificam actualmente as reservas suportarão um período significativamente superior.

Com a redução da procura, a capacidade global de armazenamento poderá ser sobrecarregada. Como está Portugal em termos da sua capacidade de armazenamento? Há Capacidade para aumentar a armazenagem e potenciar a situação actual (se necessário através de armazenagem flutuante – navios no mar)?

Portugal continental tem uma capacidade de armazenamento de cerca de 1,86 milhões de m3 de petróleo bruto (crude), e de 1,90 milhões de m3 de combustíveis líquidos, capacidade essa que, segundo comunicado divulgado pela ENSE na passada semana, se encontra preenchida a 90%, sendo portanto necessário, neste cenário de excesso de oferta de derivados de petróleo, por efeito da redução do consumo, reduzir a produção de refinados, podendo a suspensão temporária das refinarias de Matosinhos e de Sines contribuir, decisivamente, para evitar o esgotamento da capacidade de armazenagem.

 

A oferta é «muito maior» do que a procura

 

A Goldman Sachs estima que ainda há 1.000 milhões de barris de capacidade de armazenamento e não espera que haja falta de capacidade de armazenamento. Qual é a sua opinião da capacidade de resposta logística, ou seja navios, pipelines, terminais e unidades de processamento?

Segundo o que refere a AIE, num recente relatório, a acumulação prevista de 12 milhões de barris por dia no primeiro semestre do ano, ameaça sobrecarregar a logística da indústria de petróleo nas próximas semanas, podendo a capacidade disponível, navios, oleodutos e tanques de armazenamento, ficar saturada a meio do ano. É preciso ter em consideração que nunca se viveu uma situação semelhante à actual, sendo uma das principais diferenças a sua globalidade. Anteriores crises, por serem locais ou regionais, permitiam que outras regiões “absorvessem” algum excedente de produto, ou o fornecessem, em caso de escassez. Neste caso a oferta é, globalmente, muito maior do que a procura, daí que a AIE tenha afirmado que “nunca a indústria petrolífera esteve tão perto de testar o limite da sua capacidade de armazenamento como agora”.

 

Acha possível os preços descerem aos 10 dólares por barril, o que aconteceu pela última vez na crise de 2008?

Creio que em final de 2008, início de 2009, o preço mais baixo a que chegou o Brent, que é o que serve de referência para Portugal, foi da ordem dos 35 dólares e não 10 como refere.
Não fazemos previsões dessa natureza, tantos são os factores em jogo, neste momento ainda mais difíceis pela imprevisibilidade quanto à retoma económica.

 

As compras são deferidas no tempo. Geralmente qual a diferença entre a data de compra e a de venda? Poderá Portugal, enquanto País importador maximizar este momento?

Julgo que se refere à compra de crude e o intervalo entre a sua aquisição e a sua refinação depende de vários factores, entre os quais a procura. Neste momento não me parece existirem condições para comprar crude, usufruindo dos preços baixos a que se encontra, pela inexistência de locais de armazenamento.

 

Qual o impacto no sector petrolífero em Portugal?

Portugal não tem produção local de petróleo, mas a actual crise terá decerto impacto na maior empresa do sector – a Galp, que tem operações em vários locais do globo. Os sectores da Refinação e da Distribuição e Comercialização estão a ser também seriamente afectados, tal como aliás toda a economia.

Não é possível prever até quando a situação é suportável, dependendo de vários factores, tanto endógenos, como a capacidade financeira das Companhias e da sua flexibilidade operativa, como exógenos, que terão basicamente a ver com o início da retoma da economia, que por sua vez dependerá da evolução da crise sanitária. Evidentemente que a situação de preços baixos ameaça fortemente a estabilidade de uma indústria que permanecerá fundamental para o funcionamento da economia global, e coloca enorme pressão nos investimentos, que terão de ser capazes de compensar as quedas na produção, bem como satisfazer o crescimento futuro. A AIE, prevê que o gasto global de capital das empresas de exploração e produção caia cerca de 32% em relação a 2019, para 335 mil milhões de USD, o nível mais baixo em 13 anos. De referir que essa redução de recursos financeiros, poderá igualmente reduzir a capacidade da indústria petrolífera desenvolver algumas das tecnologias necessárias para a transição para uma economia de baixo carbono.

 

Mercado dos combustíveis é «altamente competitivo»

 

O sector dos transportes e da logística depende e muito do combustível. Acha que os preços geralmente praticados são competitivos?

O mercado dos combustíveis é, em si, um mercado altamente competitivo. Infelizmente a diferença de carga fiscal entre os vários países, nomeadamente dentro da União Europeia, introduz distorções importantes na competitividade das empresas e consumidores para quem o preço dos combustíveis representa uma fatia importante da sua estrutura de custos. Por exemplo, em termos de transporte Internacional, embora o preço dos produtos em Portugal, antes de impostos, estejam geralmente em linha com a média Europeia, o Preço Médio de Venda ao Público é superior à maioria dos países da EU, fruto da maior carga fiscal. A situação que mais nos afecta nesse aspecto, que levou, aliás, a que o Governo lançasse em 2017 o gasóleo profissional, é a assimetria fiscal com a nossa vizinha Espanha, onde, tomando como exemplo o gasóleo rodoviário, o ISP é inferior em 13 cêntimos/ litro e o IVA é de 21%, versus os nossos 23%.

 

Qual acha que vai ser o impacto na competitividade do sector dos Transportes em Portugal, na Cadeia de Abastecimento em geral e na Energia?

Tal como já referimos, o impacto desta crise vai-se fazer sentir em todos os sectores da economia. No sector dos transportes, julgo que as empresas que ultrapassarem a crise, irão manter a sua competitividade, embora isso provavelmente exija adaptações a novas realidades, devido às alterações de hábitos de consumo que, entretanto, estão a ocorrer na sociedade.

 

Neste momento a nível global, e em terra, estima-se que haja 3,3 mil milhões de barris armazenados, qual a capacidade máxima?

Não dispomos de dados rigorosos quanto à capacidade de armazenamento global. Contudo, a situação preocupante é que, seja ela qual for, se está a atingir o seu limite.

 

Acha que esta situação se irá manter? O que podemos esperar no futuro próximo?

Não é possível prever, pois tem basicamente a ver com o início e com a velocidade da retoma da economia, que por sua vez dependerá da evolução da crise sanitária.

 

A Apetro é uma Associação se fins lucrativos, que tem como Missão, fomentar as condições para uma operação responsável, transparente e sustentável do sector dos combustíveis líquidos, GPL, lubrificantes e outras especialidades, em Portugal. Foi fundada em Setembro de 1992, e reúne como Associadas Globais a BP, a Cepsa, a Galp, a Prio e a Repsol, às quais se juntaram a OZ Energia, e a Rubis Gás como Associadas Sectoriais de Gás; a Alkion, a CLC, a CLCM e a Saaga como Associadas Sectoriais de Armazenagem e a Sintética, a Spinerg e a Total como Associadas Sectoriais de Lubrificantes.
A Apetro pretende ser a associação de referência do sector, promovendo soluções energéticas sustentáveis no presente e para o futuro, regendo-se pelos valores de integridade, responsabilidade, colaboração, credibilidade e partilha.

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